Processo nº.: 0145.13.062.982-0

 

SENTENÇA

 

 

INSTITUTO DE CLÍNICAS E CIRURGIA DE JUIZ DE FORA LTDA propôs Ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos morais em face de FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA, ambos devidamente qualificados nos autos, ao argumento, em resumo, que representantes do hospital tomaram conhecimento de postagens no site de relacionamento da ré veiculando conteúdo difamatório.

Relata que as páginas veiculavam opiniões sem qualquer tipo de comprovação e, mesmo sendo notificada para a retirada, a ré recusou-se a retirar o conteúdo do ar, sob o argumento de que não é responsável pelo gerenciamento do conteúdo.

Ao final requereu que a ré seja condenada a excluir o conteúdo difamatório, forneça os números dos IP's dos autores das postagens e seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais em montante a ser fixado pelo juízo.

A inicial foi recebida e veio instruída pelos documentos de fls. 13/73.

Devidamente citada a sociedade ré apresentou defesa na forma de contestação (fls. 78/100) com a qual juntou os documentos de fls. 101/122 e arguiu a preliminar de ilegitimidade passiva e quanto ao mérito alegou que não possui o dever legal de armazenar dados ou de monitorar o conteúdo disponibilizado por terceiros. Aduziu também, que a parte autora deveria ter utilizado das ferramentas disponíveis no site “Facebook”, pois assim entrariam em contato com o provedor de serviços ao qual incumbe a fiscalização e possui ferramentas para tal.

Impugnação à contestação às fls. 123/125.

Audiência realizada às fls. 126.

É breve o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Trata-se de Ação indenizatória por danos morais.

Versam os autos sobre matéria de direito, não havendo, porém, necessidade de se produzir provas em audiência, impondo-se, desta forma, o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I do CPC.

Não há nulidades a serem declaradas, nem mesmo irregularidades a serem sanadas.

A parte ré arguiu a preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de que o seu objeto social limita-se a operações comerciais e, portanto, não é ela quem opera os produtos e serviços disponibilizados pelo site “Facebook” no mundo inteiro.

Ora, razão não assiste à parte ré quando argui a referida preliminar, tendo em vista ser participante do mesmo grupo econômico do qual fazem parte as empresas referidas por ela, de modo que todas as sociedades empresárias ali inseridas desempenham funções voltadas a um intuito comum, de modo que não acolho a preliminar de ilegitimidade passiva.

Antes, porém, de adentrarmos detidamente ao mérito da questão, devemos tecer algumas considerações sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela.

Alguns poderiam dizer que a relação entre os usuários e os gestores de sites de relacionamento não se enquadraria em uma relação de consumo, tendo em vista a gratuidade no serviço prestado, porém, nenhuma razão pode ser creditada a esse argumento. As sociedades gestoras de sites de relacionamento prestam o referido serviço visando lucro, afinal são sociedades empresárias para as quais podemos vislumbrar uma espécie de remuneração indireta pelo serviço prestado, que se dá com base em anúncios publicitários e outros ganhos.

Desta forma, assentadas essas premissas, passaremos à análise do mérito no caso vertente.

A parte autora ajuizou a presente demanda buscando a reparação civil pelos danos morais causados pela conduta da sociedade empresária ré que, mesmo notificada, não impediu a veiculação de afirmações, declarações e opiniões que denigrem a sua imagem; bem como que a empresa ré seja condenada a excluir o conteúdo difamatório e fornecer os números de IP's.

Quanto ao tema, faltava-nos, até recentemente, uma normativa específica para o âmbito da internet. Neste ponto devemos citar a Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014, chamada de “Marco civil da internet” que regula o uso da Internet no Brasil, por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado.

Sobre o tema é imperioso transcrevermos os seguintes artigos da referida lei:

 

Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II - proteção da privacidade;

(...)

VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

(...)

Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;



A referida lei não estabelece para o prestador de serviços de internet o dever legal de realizar o controle prévio, monitorando ou moderando o que terceiros usuários inserem nos sites, porém, deverá responder subsidiariamente na qualidade de fornecedor de serviços na rede mundial de computadores, quando se mantém inerte após solicitação da vítima para retirada da página falsa da internet. É o que prevê o art. 21 da referida lei, veja-se:

 

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

 

A parte autora realizou notificação extrajudicial à parte ré (fls. 54) a qual não foi atendida, dando ensejo à aplicação da responsabilidade subsidiária em relação ao conteúdo produzido por terceiros.

Assim, entendo pelo deferimento do pedido de obrigação de fazer para que a ré seja compelida a apresentar os números dos IP's dos autores das postagens difamatórias. Também é prevista na Lei do “Marco civil da internet” a obrigação da guarda de registros, veja-se a seguir:

 

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

Já em relação aos pedidos de obrigação de fazer para que a ré exclua o conteúdo difamatório produzido por terceiros e, consequentemente, seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais, entendo pela sua improcedência. Isso, pois, além do caráter genérico do pedido, seu deferimento configuraria um perigo de ofensa à liberdade de expressão, um valor constitucionalmente insculpido que merece o máximo de atenção em demandas tais como a presente.

Ademais, o conteúdo que é acusado de difamatório deveria passar por um filtro muitíssimo tênue para que fossem excluídas do comando sentencial aquelas declarações de caráter meramente opinativo, sobre as quais, devido à sua subjetividade, não podemos aferir a sua verdade ou falsidade.

Cabe ressaltarmos, ademais, que a nova disciplina legislativa para o tema, andou bem ao prever que a responsabilidade do prestador de serviços de internet só será objetiva e direta quando não atender a uma determinação judicial para a exclusão do conteúdo difamatório. É o que está previsto no art. 19 da Lei nº 12.965/14, a seguir:

 

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Assim, a parte autora, após ter o acesso aos IP's que identificam os terceiros que produziram o conteúdo difamatório, aí sim, poderá tomar as devidas providências contra estes.

Desta forma, os pedidos autorais merecem ser julgados parcialmente procedentes.

DISPOSITIVO.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar a parte ré a fornecer a autora os números dos IP's dos autores das postagens difamatórias, melhores descritos na inicial.

Com base no art. 461, § 4º do CPC fixo o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento, contados a partir da publicação desta, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), limitada a 30 (trinta) dias.

Condenar a parte ré ao pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios e condenar a parte autora ao pagamento de 50% das custas e honorários advocatícios. Quanto aos honorários advocatícios fixo em R$1.200, 00 (hum mil e duzentos reais), levando-se em consideração os critérios especificados nos parágrafos 3° e 4º, do art. 20 do CPC. Por trata-se de sucumbência recíproca, determino que seja feita a compensação entre as partes, nos moldes do art. 21, caput do CPC e súmula nº 306 do STJ.

P.R.I.C.

Juiz de Fora, 8 de julho de 2014.

 

 

Orfeu Sérgio Ferreira Filho

Juiz de Direito

mtgp