Vistos, etc.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em face do ESTADO DE MINAS GERAIS, afirmando que o licenciamento ambiental é procedimento administrativo que visa à avaliação da viabilidade ambiental de empreendimentos, o estabelecimento de limitações administrativas e a imposição de medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias. Noticia que a Resolução CONAMA 237/97 estabelece que o referido licenciamento deve estipular medidas de controle ambiental para cada um dos riscos e impactos identificados, sendo o risco de incêndio um dos mais sérios riscos ambientais de qualquer empreendimento. Discorre acerca da Lei Estadual nº 14.130/01, que definiu que o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais desenvolverá a análise e aprovação do sistema de prevenção e combate a incêndio e pânico, bem como sobre o Decreto 44.764/08, que estabeleceu que o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros – AVCB – certificará que a edificação possui as condições de segurança contra incêndio e pânico, previstas na legislação. Destaca, assim, que bastaria ao COPAM (órgão licenciador subordinado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente) exigir que o empreendimento possua o AVCB para fiscalizar as medidas de controle ambiental para o risco de incêndios e a legalidade da operação do empreendimento. Assevera, contudo, que o Estado de Minas Gerais omitiu-se dolosamente no dever de fazer tal análise, ao emitir, por meio da Subsecretaria de Estado de Regularização Ambiental, a Orientação SURA 30-2013, dispensando a exigência de AVCB na instrução de procedimentos para licenciamento ambiental que não sejam postos de abastecimento de combustível. Sustenta que tal critério de seletividade aleatória de medidas preventivas não foi, em nenhum momento, autorizado por nosso ordenamento jurídico. Destaca que os empreendimentos industriais que não possuem o devido AVCB, além de trazerem sérios riscos ao meio ambiente e à segurança pública, estão em situação de ilegalidade perante o Estado e não deveriam poder obter licenças para operar por este mesmo ente federativo. Requer, assim, o deferimento da tutela antecipada, determinando ao réu que: i) conste de todos os Formulários Integrados de Orientação Básica (FOBI) para Licença de Operação, Licença de Operação Corretiva ou Autorização Ambiental de Funcionamento, a necessidade de apresentação de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), como pré-requisito para a formalização do respectivo procedimento administrativo: ii) se abstenha de colocar em pauta para votação do COPAM qualquer procedimento de Licença de Operação ou de Licença de Operação Corretiva que não esteja devidamente instruído com o devido AVCB; e, por fim, iii) que não conceda Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAF´s) para empreendimentos que não possuam AVCB.

Foi determinada a notificação dos representantes judiciais do réu para a respectiva manifestação, fls.61.

O Estado de Minas Gerais prestou informações, bem como apresentou contestação, fls.63/94, discorrendo, inicialmente, acerca da impossibilidade de concessão de liminar satisfativa contra ato do poder público, tendo destacado, ainda, estarem ausentes os requisitos para a antecipação da tutela pretendida pela parte autora, visto que não houve a comprovação da prova inequívoca da verossimilhança do direito pretendido, nem tampouco do alegado perigo da demora. Destaca, ainda, que as normas questionadas pelo requerente já se encontram em vigor há considerável período de tempo, razão pela qual não há como aferir o fumus boni juris abordado pelo MP. Assevera, em sede de preliminar, ter se configurado a impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que a interferência no mérito do ato administrativo se revela indevida. No mérito, destacou que os procedimentos de licenciamento ambiental são realizados em absoluta adequação ao ordenamento jurídico vigente, com o exame técnico dos impactos ambientais dos empreendimentos a ele submetidos. Discorre, ainda, sobre a impossibilidade de imposição de sanção cominatória ao Estado de Minas Gerais. Pugna pelo indeferimento da tutela antecipada.

 

Fundamentação

 

O Estado de Minas Gerais arguiu, em sede de preliminar, a impossibilidade de concessão de medida liminar de caráter satisfativo contra ato do Poder Público. Alegou que, no caso ora em exame, a concessão de medida liminar implica em esgotamento do objeto do processo, invocando, para tanto, o disposto no art. 1º, §3º, da Lei Federal nº8.437/92, o qual determina, in verbis:

Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

 

(...)§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.

 

Contudo, tendo-se em vista os pedidos realizados pela parte autora, há de se constatar que a medida liminar não esgota o objeto da ação, sendo compatível com o art.1º, §3º da aventada Lei.

No mérito, ressalta-se que, no âmbito da ação civil pública, é lícito ao Magistrado deferir o mandado liminar, desde que preenchidas as condições específicas do fumus boni juris e do periculum in mora.

Fumus boni juris, segundo a doutrina, é a provável existência de um direito a ser tutelado no processo principal. É o direito de ação.

Periculum in mora, a seu turno, "é o receio de que, no decorrer do tempo em que será decidida a tutela do direito, o requerente venha sentir faltarem as circunstâncias favoráveis à própria tutela. É o caso de risco, destruição, perecimento ou qualquer mudança (em pessoas, bens e provas) que inviabilize a perfeita e eficaz atuação no reconhecimento do direito. É o perigo que corre o direito se houver demora na tutela."

Neste sentido, a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MANDADO LIMINAR. "FUMUS BONI IURIS". "PERICULUM IN MORA".

Em sede de ação civil pública é lícito ao juiz deferir mandado liminar, desde que se encontrem presentes o "fumus boni iuris" e o "periculum in mora", de modo a caracterizar a plausibilidade aparente da pretensão aviada e o perigo fundado de dano a execução de sentença em uma ação já em curso ou à que se pretende ajuizar.(Processo n.º 1.0439.04.033295-9/002; Relator Duarte de Paula; Julgamento em 03/03/2005; DJ de 17/06/2005 - g. n.).

 

In casu, estão presentes os requisitos necessários para o deferimento da liminar, nos termos da fundamentação que segue.

Primeiramente, cumpre registrar que a Lei Estadual nº14.130/01 definiu que cumpre ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais desenvolver a análise e aprovação do sistema de prevenção e combate a incêndio e pânico, tendo o Decreto 44.764/08, por sua vez, definido que o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) certificará que a edificação possui as condições de segurança contra incêndio e pânico, previstas na legislação.

Insurge-se a parte autora contra ato do Estado de Minas Gerais, que por meio da Subsecretaria de Estado de Regularização Ambiental, emitiu a Orientação SURA Nº 30/2013 (fls.44), que apresentou parecer no sentido de que o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros somente seria obrigatório nos empreendimentos de postos revendedores, postos de abastecimento, instalações de sistema retalhistas e postos flutuantes de combustíveis, tendo afirmado não vislumbrar a viabilidade quanto a exigência do referido documento para as demais atividades e empreendimentos.

Dessa forma, entende-se que a pautada orientação, ao exigir a apresentação do AVCB somente para os empreendimentos supramencionados, contrariou a legislação aplicável à matéria, especificamente o art.1º da Lei 14.130/01, além de violar diversas disposições elencadas no Decreto 44.746/08, responsável por regulamentar tal lei.

 

Art.1º – A prevenção e o combate a incêndio e pânico em edificação ou espaço destinado a uso coletivo no Estado serão feitos com a observância do disposto nesta lei.

 

Parágrafo único – Consideram-se edificação ou espaço destinado a uso coletivo, para os fins desta lei, os edifícios ou espaços comerciais, industriais ou de prestação de serviços e os prédios de apartamentos residenciais. (Grifou-se)

 

Sendo assim, levando em consideração a necessidade do AVCB para atestar se o estabelecimento apresenta as condições exigidas para o seu bom funcionamento, especialmente no que toca à prevenção e o combate a incêndio e pânico, há de se constatar que a seletividade aleatória das medidas preventivas não fora autorizada pelo nosso ordenamento jurídico, razão pela qual a Orientação SURA Nº30/2013, ao recomendar que o AVCB somente é necessário aos postos de abastecimento combustível, se mostrou, em cognição sumária, eivada de ilegalidade.

Ademais, forçoso ressaltar que a conduta da parte ré, quando da elaboração da Orientação SURA nº 30/2013, se deu em virtude da Resolução CONAMA 273/2000, que explicitou a obrigatoriedade do AVCB para postos de combustível, sem, contudo, ter restringido a exigência do AVCB para os demais empreendimentos.

Assim, a partir de uma análise preliminar dos autos, resta clara a ilegalidade do procedimento administrativo sob comento, uma vez que não foram respeitados os preceitos contidos na legislação aplicável ao caso. Dessa forma, presente o fumus boni iuris.

No que tange ao periculum in mora, tal se encontra, igualmente, presente. É inegável que a proteção contra incêndio é questão afeta ao licenciamento ambiental e, se negligenciada, poderá implicar gravosos danos ambientais, sendo fundamental que, mesmo para pequenos empreendimentos, haja a exigência do AVCB, devidamente elaborado pelo Corpo de Bombeiros.

Desse modo, presentes os requisitos, o deferimento da liminar é medida que se impõe.

 

Conclusão

 

POSTO ISSO, defiro a liminar desta ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, determinando ao Estado que: i) conste de todos os Formulários Integrados de Orientação Básica (FOBI) para Licença de Operação, Licença de Operação Corretiva ou Autorização Ambiental de Funcionamento, a necessidade de apresentação de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), como pré-requisito para a formalização do respectivo procedimento administrativo: ii) se abstenha de colocar em pauta para votação do COPAM qualquer procedimento de Licença de Operação ou de Licença de Operação Corretiva que não esteja devidamente instruído com o devido AVCB; e, por fim, iii) não conceda Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAF´s) para empreendimentos que não possuam AVCB, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 12, §2º, da Lei nº7.347/85.

Na oportunidade, conforme requerido pelo Ministério Público às fls.11, intime-se a Subsecretária de Gestão e Regularização Ambiental Integrada, para dar cumprimento imediato à decisão liminar, sob pena de multa a ser arbitrada por este Juízo.

Intimem-se.

 

I.

Belo Horizonte, 9 de maio de 2014.

 

 

Adriano de Mesquita Carneiro

Juiz de Direito

5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias