Autos n.º 0024.11.321.890-3

Autora: ÉRIKA REGINA VALLE COSTA

LUCIANO CAMPOS

Ré: NOVASOC COMERCIAL LTDA.

 

SENTENÇA

 

Vistos etc...

 

ÉRIKA REGINA VALLE COSTA e LUCIANO CAMPOS ajuizaram a presente “Ação Condenatória com pedido de indenização por danos materiais e reparação por danos morais” em desfavor de NOVASOC COMERCIAL LTDA., ambos qualificados.

Os Autores alegam que vivem em união estável desde 25.01.2.011; que ambos trabalham para a Ré, ela exercendo a função de Chefe de Seção II e ele a função de Confeiteiro; que do relacionamento adveio uma gravidez normal e sem riscos; que houve necessidade de cuidados médicos e foram receitados os medicamentos “EVOCAMIL 100 mg e ÁCIDO FÓLICO 5 mg”, conforme prescrição médica; que foram à farmácia mantida pela Ré e a atendente vendeu o fármaco ENALAPRIL, e não o EVOCAMIL; que ocorreu sangramento e aborto; que o ENALAPRIL é contra indicado para gestantes e sua venda somente ocorre com receita médica; que houve falha na prestação de atendimento e que a Ré agiu com culpa; que a Ré foi responsável pelo aborto; que foi interrompida a formação de uma família; que devem ser indenizados os danos materiais e reparados os danos morais sofridos. Requerem, por isso, sejam concedidos os benefícios da gratuidade judiciária. No mérito, pedem sejam julgados procedentes os pedidos para condenar a Ré a indenizar os danos materiais, a serem arbitrados por este Juízo, e a reparar os danos morais sofridos.

Com a inicial, vieram os documentos de fls. 11/78-v..

Recebimento da inicial: 16.01.2.012, com deferimento da gratuidade judiciária (f. 79).

Insatisfeitos com a decisão de f. 79, os Autores interpuseram embargos de declaração (fls. 80/81), os quais foram rejeitados (f. 82).

Os Autores interpuseram agravo de instrumento (fls. 87/96), ao qual foi dado provimento, conforme decisão monocrática de fls. 99/104.

Regularmente citada, a Ré ofertou contestação (fls. 108/116), alegando que inexiste nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano; que o aborto ocorreu em razão de fatos anteriores à ingestão do medicamento; que o Evocamil 100 mg é indicado para evitar abortamento ou parto prematuro; que o medicamento receitado pela médica da Autora serve para se evitar aborto; que a Autora já estava abortando em 27.07.12, quando procurou a médica; que tal fato ocorreu antes de ingerir o remédio; que a ingestão de medicamento não é suficiente para afirmar a causa do aborto; que inexiste laudo médico comprovando a alegação; que inexiste culpa pelo fato ocorrido; que os Autores não demonstraram se houve a ingestão do medicamento; que presumem que a ingestão provocou o aborto; que não foi demonstrado o aborto; que o atestado médico apresenta CID referente a transtornos mentais e comportamentais; que a vítima é a única responsável pelo ocorrido; que foi ingerido o medicamento sem consulta à embalagem; que inexiste responsabilidade; que não vendeu medicamento de maneira equivocada; que o controle é feito pelo comprador; que a destinação do medicamento foi dada livremente pela Autora; que a Autora contrariou a prescrição médica; que ocorreu culpa exclusiva da vítima; que inexistem os elementos da responsabilidade civil; que não há relação entre a interrupção da gestação e perdas econômicas por parte dos Autores; que inexiste comprovação acerca da relação de dependência econômica entre os Autores e o nascituro; que inexiste comprovação de danos morais sofridos. Pede, por isso, sejam os pedidos julgados improcedentes.

Com a Contestação, vieram os documentos de fls. 120/138.

Impugnação à contestação (fls. 140/145).

Instados a especificar provas, os Autores informaram não mais possuírem provas a produzir (fls. 147/150). Lado outro, a Ré requereu a produção de prova pericial médica (f. 151), o que foi deferido à f. 152.

Às fls. 152, foi nomeado o perito.

Quesitos pela Ré às fls. 153/158.

Insatisfeitos com o despacho de f. 152, os Autores interpuseram embargos de declaração (fls. 159/160), os quais não foram acolhidos (fls. 161/162). Insatisfeitos, ainda, com o despacho de fls. 152, os Autores interpuseram agravo retido (fls. 163/165), os quais foram contra-arrazoados às fls. 170/172.

Quesitos dos Autores às fls. 168/169.

Os honorários periciais foram homologados às fls. 178.

O laudo pericial foi acostado às fls. 192/204.

Às fls. 329/330, a Ré requereu a produção de prova oral, o que foi deferido à f. 335.

Designada Audiência de Conciliação, Instrução e Julgamento, não se logrou êxito com a tentativa de conciliação (fls. 345/349).

Alegações finais (fls. 355/365 e fls. 380/385).

Vieram-me conclusos os autos.

Este, o necessário relatório.

DECIDO.

O feito encontra-se em ordem, inexistindo vícios e irregularidades a serem sanados.

Cuida-se, como dito, de ação com pedidos de condenação ao pagamento de danos materiais e reparação por Danos Morais, fundamentado em má prestação de serviço na venda de produtos farmacêutico para a autora e que redundou em abortamento de feto por parte desta.

Os Autores alegam que trabalham para a Ré, que por sua vez mantém um serviço de farmácia; que a médica que atendeu a autora receitou-lhe os medicamentos Evocamil 100 mg e Ácido Fólico 5 mg, mas a funcionária da ré vendeu-lhe medicamento diverso, de nome “Enalapril”, o que ocasionou aborto do feto que a autora trazia em gestação.

A Ré, a seu turno, alega que o remédio “Evocamil” é indicado para evitar abortamento, pelo que, a infere-se que a autora já se encontrava com problemas gestacionais e não foi o remédio a causa do aborto. Diz, assim, que quando a Autora procurou a médica em 27.07.12, ela já se encontrava em procedimento abortivo, não sendo possível afirmar que a ingestão do medicamento tenha ocasionado dano à Autora e ao feto.

Importa, pois, para a decisão da lide, saber se o remédio vendido para a autora foi a causa suficiente do aborto ou não, como também, se há culpa da ré no fato da autora ingerir medicamento diverso do prescrito.

Realizada perícia médica Às fls.191/204 e esclarecimentos de fls.294/296, em resumo concluiu o perito: que a autora realmente encontrava-se grávida; que não havia alterações no último exame que realizou; que o medicamento prescrito é comumente utilizado para prevenir aborto e parto prematuro, pelo que pode-se supor que a autora estivesse apresentando problemas da espécie quando da realização da consulta na qual foi prescrito o medicamento Evacomil; que tanto a não ingestão do medicamento correto, Evacomil, quanto a ingestão do medicamento Enalapril, podem ter contribuído para o aborto; que existe a possibilidade de que a autora já estivesse em processo de abortamento quando da realização da consulta que prescreveu-lhe os remédios de fls.68, conforme documento de fls.286, prontuário de atendimento médico no dia 24.07.11 que já se inicia com diagnóstico de ameaça de aborto.; que há contraindicação médica para a utilização de enalapril durante a gravidez.

A compra e venda de remédios ocorrida entre a autora e a ré atrai a aplicação dos dispositivos constantes da lei n.8.0478/90, nos termos dos arts.2º e 3º. Não altera esta conclusão o fato de que os autores trabalhavam para o supermercado réu e que na farmácia dele adquiriram os medicamentos, conforme comprova o documento de fls.69. O réu responde pelos atos praticados por seus funcionários, nos termos do art.932, III do CC.

Prescreve o art.8º da lei 8.078/90 que os produtos e serviços colocados no mercado não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto aqueles considerados normais.

Em casos que tais a responsabilidade da ré é objetiva, nos termos do art.14, verbis:

Art.14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

No caso, é inegável que a autora encontrava-se grávida e que no dia 24.07.11 procurou atendimento médico, que constatou ameça de aborto (fls.286), quando lhe foi receitado o remédio Evacomil(fls.68). Constata-se às fls.69 que a autora adquiriu na farmácia da ré o medicamento, no mesmo dia 24.07.11, os medicamentos Enalapril, o que leva à conclusão de que houve venda de remédio diverso daquele que foi receitado, isso muito provavelmente em razão de confusão entre os nomes Evacomil e Enalapril.

Essa confusão e consequente venda de remédio diverso ao consumidor, que trouxe risco à sua segurança da autora, como demonstrado, inegavelmente caracteriza serviço defeituoso, nos termos prescritos no §1º acima transcrito. O réu, por outro lado, não logrou demonstrar que não existiu a venda equivocada ou a culpa exclusiva da autora, que mesmo sendo pessoa esclarecida e tendo adquirido o produto mediante apresentação de receita, o mínimo que poderia pensar é que se tratava do medicamento correto, especialmente nos casos de remédios denominados genéricos, como no caso(fls.70).

Assim, é certo que a autora apresentou um quadro inicial de ameaça de aborto, que poderia ter sido evitado com a utilização do medicamento correto, como também é certo que o medicamento vendido à autora era contraindicado para gestantes, tudo conforme concluiu o laudo pericial e esclarecimentos.

Desta forma, restam demonstrados tanto a relação de consumo viciada, a conduta culposa do preposto do réu, que tinha a obrigação de zelar pela entrega correta do medicamento, o que leva ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do produto e do serviço, e uma vez presente o resultado danoso, vez que era evitável o aborto com o uso do medicamento correto, e ausentes as causas justificantes, impõe-se o reconhecimento do nexo de causalidade, ensejando a responsabilidade civil do réu e consequente dever de indenizar os danos.

A Autora, em razão da não utilização do medicamento correto teve concluído o seu inicial processo de ameça de aborto, o que inegavelmente importa reconhecer que ocorreu sofrimento físico e psicológico de sua parte. O dano psicológico é considerável, porque houve o aborto de um filho, ainda que em seu primeiro estágio de fetal, para não dizer que também há considerável dano físico, processo de dor e etc., com necessidade de internação hospitalar e submissão a tratamento para limpeza de útero e etc., sendo certo que o réu não laborou diretamente para a conduta culposa, vez que responde por ato de seu funcionário.

A capacidade econômica dos autores é a comum da maioria dos trabalhadores brasileiros, inexistindo maiores elementos nos autos nesse sentido, verificando-se que o sofrimento também atingiu a condição psicológica do pai, que também passou por momentos difíceis ante a situação vivenciada pela mãe. O réu é de grande capacidade econômica, detentor de rede de supermercados de âmbito nacional, capaz de fazer frente ao valor da reparação.

Diante de tais elementos tenho por bem fixar os danos morais em R$20.000, 00, atento ao caráter reparatório e sancionatório do dano.

Os autores pedem que sejam indenizados pelos danos materiais, através da fixação, por arbitramento, de uma pensão, desde o nascimento do feto até a data em que completasse 70 anos. Alternativamente pede que seja arbitrado um valor a título de constituição de renda.

Improcede o pedido, porque não vislumbro presentes os elementos necessários e constitutivos do dano alegado. É que embora a lei ponha a salvo, desde a concepção, o direito do nascituro, não se pode esquecer da primeira parte do art.2ª, que fixa o início da personalidade ao nascimento com vida.

Nesse sentido tem-se o seguinte aresto do TJSP: “Seguro. Vida e acidente pessoal. Ação de cobrança. Natimorto. Exegese. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com a vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do “nascituro”(aquele que vai nascer, ou o ser humano que foi concebido e quem tem o nascimento como certo), daí entender-se que o “natimorto” não chega a adquirir personalidade jurídica, uma vez que é expulso - já morto - do útero materno, inviável, portanto, a pretensão à indenização securitária requerida pelos genitores. Recurso improvido. (TJSP, 34ª Câm. de Dir. Priv. , Ap. cível n.818.666-0/6 Botucatu, rel. Des. Irineu Pedrotti, j.01.02.2006, v.u., voto n.8.633).

Não há, pois, como falar em pensionamento ou constituição de capital para indenizar os pais, em decorrência do aborto prematuro do embrião, que não alcançou o nascimento com vida. Demais disto, o pensionamento depende do reconhecimento e da demonstração de que o filho estivesse em condições de exercer atividade laboral para o seu próprio sustento e de amparar os pais na velhice e necessidade deles, o que não ocorre no caso de aborto de embrião. Improcede o pedido indenizatório.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, para condenar o réu a reparar os danos morais aos autores, no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais). Julgo improcedente o pedido de indenização por danos materiais na forma de pensionamento ou constituição de capital.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas e honorários de advogado que fixo em R$1.000,00, compensáveis, isento os Autores diante da concessão da gratuidade de justiça.

P.R.I.

Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2.016.

 

PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES

JUIZ DE DIREITO