COMARCA DE RIO PARDO DE MINAS
VARA ÚNICA
Autos nº 0556.10.001138-7
Parte autora: Município de Rio Pardo de Minas
Parte ré: Edson Paulino Cordeiro
Sentença
Vistos, etc.
Trata-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Município de Rio Pardo de Minas em face do ex-prefeito Edson Paulino Cordeiro, alegando, em síntese, que este deixou de prestar contas corretamente dos recursos recebidos do Ministério da Saúde no valor de R$ 159.920,00, através do Convênio n.º 507/2003, destinados à aquisição de equipamento e material permanente para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde – SUS.
Requereu em liminar a retirada do nome do Município de Rio Pardo de Minas dos cadastros de inadimplentes do SIAFI, SERASA e do CADIN.
A inicial foi instruída com os documentos de ff. 12/31.
Decisão de indeferimento do pedido de liminar (f.33).
Notificado, o réu ofereceu manifestação às ff.36/40, suscitando preliminar de carência de ação, ao argumento de que o município seria parte ilegítima para figurar no polo ativo da ação e, no mérito, informou que firmou o convênio noticiado na inicial, todavia, alegou “não ser verdade que o mesmo deixou de aplicar os recursos ou de prestar contas da correta aplicação dos recursos”, solicitando, nesses termos, a extinção do processo sem julgamento do mérito.
Recebimento da inicial e afastamento da preliminar referente à carência de ação às ff. 42/44.
O réu ofereceu contestação reiterando as alegações aduzidas às ff. 36/40, protestando por todos os meios de prova em direitos admitidos (f. 45 verso).
O autor não apresentou impugnação à contestação (f.65 verso).
Às ff. 83/86, o Ministério Público requereu fosse notificado a União/Ministério da Saúde, para que tomasse ciência do inteiro teor deste feito e manifestasse se possui interesse em integrar o polo ativo da lide.
A União manifestou seu desinteresse em integrar o polo ativo da lide (f.99).
Instadas a se manifestarem sobre as provas a produzir, o autor informa que não pretende produzir provas e requereu o julgamento antecipado da lide (f.101), e o requerido manteve-se inerte conforme certidão de f. 101 verso.
Parecer final do Ministério Público pugnando pela procedência parcial do pedido inicial para condenar o requerido nas penas previstas no art.12, II, da Lei n.º8.429/92.
Pela parte autora foi juntada cópia do procedimento de Tomada de Contas instaurado pelo Tribunal de Contas da União em desfavor do Município e do ex-prefeito (ff.120/140).
Intimado para se manifestar quanto aos documentos juntados aos autos, o requerido informa que discorda de toda e qualquer argumentação que lhe seja desfavorável, inclusive da documentação juntada, reiterando em todos os seus termos a sua contestação de ff. 36/40.
Vieram-me os autos conclusos para sentença.
É o relato. Fundamento e Decido.
Como cediço, a legalidade e a moralidade constituem princípios constitucionais norteadores da atuação administrativa e são imperativos aos atos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte...”.
Por seu turno, estabelece o parágrafo 4º do mesmo artigo que: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Objetivando especificar o comando do caput do art. 37, da Constituição Federal de 1988, no âmbito da improbidade administrativa, a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu em seu artigo 4º que: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade”.
Quanto à Preliminar de Carência da Ação arguida pela defesa:
Já fora afastada nos autos conforme decisão de ff. 42/44, o que foi ao encontro da manifestação do Ministério Público e deste julgador, o que ora se reitera. É nítido o interesse do Município para demandar no polo ativo, tendo em vista que foi quem suportou todas as consequências da falta ou má prestação de contas, assunto do mérito.
Assim, o processo é hígido, desenvolvido de forma a permitir a paridade de armas e equilíbrio de forças entre as partes, bem como fica novamente reconhecida a legitimidade das partes para figurarem nesta demanda.
Dito isso, tenho por superada definitivamente a preliminar de carência de ação arguida pela defesa, momento em que passo ao mérito da causa.
O Município de Rio Pardo de Minas acusou o réu de ter causado inúmeros prejuízos aos cofres da municipalidade e à boa administração, devido à não prestação de contas regularmente quando do exercício de seu mandato de Prefeito e, com isso, teria ferido princípios da Administração Pública, causado prejuízo ao erário municipal e terminado por se enquadrar nos tipos da Lei 8429/92.
Os fatos seriam que o ex-prefeito Edson Paulino Cordeiro deixara de prestar contas corretamente dos recursos recebidos do Ministério da Saúde no valor de R$ 159.920,00, através do Convênio n.º 507/2003, destinados à aquisição de equipamento e material permanente para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde – SUS.
Por fim, o Parquet afirmou que tal conduta do réu enquadra-se na Lei de Improbidade, em especial nos artigos 10 e 11, pugnando pela aplicação das sanções do artigo 12, inciso II da Lei 8429/92.
A defesa, no mérito, tornou incontroverso a existência e realização do convênio, bem como sua qualidade de gestor municipal à época da celebração de tal instrumento. Limitou-se a alegar genericamente que não seria verdade que ele tivesse deixado de aplicar os recursos ou de prestar contas da correta aplicação de tais recursos. Nada mais detalhando ou alegando teses outras em sua defesa.
Chegou a afirmar que seria provado em fase instrutória sua correção na qualidade de gestor municipal à época, porém quedou-se inerte na fase própria tal tal.
Alegou também que seria necessária a prova do elemento subjetivo – dolo ou culpa – de sua conduta para poder ser então responsabilizado.
Sendo assim, temos que a qualidade de agente público – Prefeito Municipal de Rio Pardo de Minas – à época dos fatos, a existência, celebração e execução do convênio de nº 507/2003 entre o Município e o Ministério de Saúde, com liberação das verbas, são todos fatos incontroversos nos autos.
Temos que os gestores públicos são geridos pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Sendo assim, quando da celebração de convênio entre os entes públicos, a aplicação dos recursos daí advindos devem ser estritamente aplicados na destinação prevista.
O dever de prestação de contas é inerente a toda e qualquer verba pública. É o reconhecimento de que o interesse público prevalece sobre o privado. É a garantia da publicidade, da viabilidade de fiscalização pelo povo e pelos órgãos de controle. Não se pode simplesmente alegar que os gastos foram corretamente aplicados sem prestar contas de tal correição.
O Parecer GESCON nº 682/2010, ff. 25/27, consignando o teor do Relatório de Verificação in loco nº 239-2/2006, declararam que a prestação de contas foi fora do prazo, bem como “.. apontou várias irregularidades/impropriedades na execução físico-financeira do convênio, afirmando em suas considerações finais que o objeto pactuado foi executado em 6,3% e os objetivos não não foram alcançados tendo em vista a reformulação unilateral por parte do convenente e mudando a entidade que seria beneficiária com o convênio. ... ”.
O efetivo prejuízo financeiro ao erário municipal ficou provado com o demonstrativo de débito acostado aos autos às ff. 28/29, apontando a quantia de R$ 299.231,17, atualizado até a data de 02/02/2010, tendo com credor o Ministério da Saúde, em decorrência do descumprimento do convênio nº 507/2003.
O processo de tomadas de contas especial, TC nº 001.982/2014-1, que trata do citado convênio, foi acostado aos autos, ff. 120/140, em especial a f. 121, tendo sido concluído, em síntese, que:
julgou irregulares as contas de Edson Paulino Cordeiro;
condenou Edson Paulino Cordeiro ao recolhimento ao Fundo Nacional de Saúde dos valores mencionados, os quais totalizaram R$ 24.843,03, sem as devidas atualizações.
Outros prejuízos como inclusão nos cadastros do SIAFI, SERASA E CADIN do Município também ficaram provados nos autos, conforme f. 30, o que certamente dificulta a Administração Municipal.
Ressalte-se que a defesa em nada contraditou, rebateu ou apresentou provas que retirassem a credibilidade de tais documentações ou eivassem a legitimidade do que fora carreado aos autos. Assim, tenho tudo por verdadeiro, legal e com força para fundamentar a presente sentença.
O Município de Rio Pardo de Minas pugnou pela condenação do réu nas sanções da Lei 8429/92, bem como o Ministério Público defendeu o enquadramento de tal conduta nos artigos 10 e 11, ambos da Lei 8429/92. Argumentou que deverá prevalecer a conduta do art. 10, tendo em vista sua prevalência.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas...
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
Assim, a melhor doutrina e jurisprudência pacificaram no sentido de se exigir o elemento subjetivo DOLO na conduta ímproba que atente contra os princípios da Administração Pública, Art. 11. Sendo que na conduta prevista no Art. 10, a própria lei admite que o elemento subjetivo seja DOLO ou CULPA. No presente caso, não se tem dúvida quanto à intenção, vontade de alterar a destinação da verba recebida de forma unilateral, não prestar contas de tal irregularidade, não se justificou no processo administrativo, pois foi revel, bem como não sustentou nenhuma tese plausível nos presentes autos, limitando-se a declarar que os fatos não são verdadeiros, o que deixa claro a existência de dolo na conduta do agente ora réu.
Aplicando-se a melhor técnica, bem como seguindo parecer ministerial, temos que quando os tipos previstos nos artigos 10 e 11 restaram configurados ao mesmo tempo e modo, o tipo previsto no artigo 10 deve prevalecer, ficando o tipo do art. 11 absorvido.
Assim, temos que todos os elementos do art. 10 restaram provados nos autos, quais sejam, ato consciente e voluntário do gestor público municipal, na forma dolosa no caso concreto (sendo que o tipo admite até mesmo a forma culposa), lesão ao erário (seja financeira, seja por outras formas, conforme ficou fundamentado acima). Assim, restou configurado o tipo previsto no Art. 10, “caput” da Lei 8429/92.
Somando-se a isso, temos que a conduta do réu foi dolosa (como já fundamentado acima) e afrontou diretamente os deveres de honestidade (a falta de honestidade emerge quando se adota postura a driblar os regramentos da lei, dos compromissos públicos e da transparência, do dever de prestar contas para com a sociedade, para com órgãos de controle e, por fim, para com o povo, quando se coloca o interesse privado com primazia ao interesse público), legalidade (quando a conduta vai de encontro ao previsto no convênio assinado, bem como aos ditames da Lei de improbidade e da própria Constituição Federal) e lealdade às instituições (afronta ao interesse público, seja contrariando a destinação inicial prevista no convênio, seja tomando tomando decisões unilaterais sem amparo legal, bem como indo de encontro aos interesses primários da municipalidade), assim, configurado está o tipo de improbidade.
Superada a tipificação, temos que enfrentar a dosimetria das sanções previstas na Lei de Improbidade.
A Lei 8429/92 traz as punições respectivas para as condutas previstas nos artigos 9º, 10 e 11, sendo que cabe ao julgador realizar a dosimetria e adequá-las ao caso concreto.
Considerando que restou configurada e provada a conduta prevista no artigo 10, “caput” da Lei de Improbidade, temos que suas sanções são as previstas no artigo 12, inciso II, quais sejam:
1- ressarcimento integral do dano. Aqui merece aplicação, tendo em vista que ficou provado nos autos que o erário municipal está sendo cobrado por valores decorrentes do convênio debatido nos autos, de responsabilidade do ex-prefeito ora réu, na ordem de R$ 299.231,17, valor este atualizado até a data de 02/02/2010, conforme fundamentado acima, bem como considerando que o réu nada contestou acerca de tal valor acostado nos autos.
2 - perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer essa circunstância. Aqui não merece aplicação, tendo em vista que neste caso concreto, não ter sido provado nos autos nenhum ato de conversão dos valores aportados aos cofres do Município tenham sido desviados ao patrimônio pessoal do réu. O prejuízo do erário municipal não trouxe necessariamente acréscimo patrimonial ao réu neste caso.
3 - perda da função pública. Aqui também não terá aplicação, pois consta dos autos que o agente – então Prefeito Municipal da cidade de Rio Pardo de Minas – já não mais se encontra no cargo.
4 - suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos. Aqui merece aplicação. Passo a dosar. Considerando que a conduta do réu ficou comprovada como sendo uma atitude de desrespeito para com o compromisso assumido com a assinatura de um convênio com o Ministério da Saúde, considerando sua postura de afronta para com a obrigação e o dever de prestar contas aos órgãos de controle e, em especial, viabilizando a sociedade acompanhar e fiscalizar a conduta de um homem público e seus atos como gestor público, considero a suspensão dos direitos políticos como justa no patamar de 6 (seis) anos.
5 - pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano. Aqui merece aplicação. Passo a dosar. Considerando e utilizando-me das mesmas disposições do item anterior, bem como considerando que o interesse privado falou mais alto do que interesse público, somada à postura de simplesmente negligenciar acerca das obrigações assumidas quando da diplomação como gestor público municipal, é de bom alvitre e pedagógico que a presente multa seja exasperada, mas também faz-se justiça amenizá-la tendo em vista que não ficou provado nos autos que tal verba decorrente do convênio tenha sido desviada para patrimônio, assim sopesando considero como razoável o patamar de R$ 100.000,00, valor este aproximado de um terço do prejuízo ao erário, dentro do intervalo permitido legalmente.
6 - proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Considerando que a conduta do réu ficou comprovada como sendo uma afronta direta aos deveres de homem público e às instituições, demonstrando que não assimilou os princípios da Administração Pública, bem como considerando que deixou de cumprir os respectivos juramentos ínsitos aos ocupantes de tal cargo de gestor público municipal, além de priorizar a supremacia do interesse público sobre o privado. Aqui também merece aplicação. Não é necessária a realização de dosimetria da sanção, pois se trata de prazo fixo, sendo apenas reconhecida como aplicável ao caso concreto. Assim, aplica-se o prazo de 05 (cinco) anos.
Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, fazendo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, reconhecendo que o réu Edson Paulino Cordeiro incorreu nas iras do artigo 10, “caput”, c/c artigo 142, inciso II, ambos da Lei 8.429/92, razão pela qual o CONDENO nos exatos termos que seguem:
1- ressarcimento integral do dano ao Município, ora fixado em R$ 299.231,17 (duzentos e noventa e nove mil e duzentos e trinta e um reais e dezessete centavos), valor este a ser corrigido monetariamente utilizando-se a tabela da Corregedoria deste Egrégio Tribunal de Justiça, bem como incidir juros legais de 1% ao mês, ambos a partir da última atualização, qual seja, 02/02/2010, até o efetivo pagamento.
2 - suspensão dos direitos políticos por 6 (seis) anos.
3 - pagamento de multa civil de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor este a ser corrigido monetariamente utilizando-se a tabela da Corregedoria deste Egrégio Tribunal de Justiça, bem como incidir juros legais de 1% ao mês, ambos a partir desta sentença, até o efetivo pagamento.
4 - proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Transitada em julgado:
intimem-se pessoalmente o réu para pagamento da reparação do dano e da multa civil aplicadas e custas processuais no prazo de 10 (dez) dias.
Não efetuado o pagamento das custas processuais, expeça-se certidão de não recolhimento, encaminhando à AGE, observando-se a orientação do Ofício Circular 06/2011.
Não efetuados os pagamentos da reparação do dano e da multa civil, expeçam-se certidões de não recolhimento, encaminhando ao Município de Rio Pardo de Minas para que impulsione a execução. Caso o Município se mantenha inerte num prazo de 6 (seis) meses, intime-se o Ministério Público para dar andamento.
oficie-se ao TRE/MG comunicando a suspensão dos direitos aplicada a cada réu;
oficiem-se os Entes Públicos (União, Estado de Minas Gerais e Município de Rio Pardo de Minas) e a Junta Comercial de Minas Gerais para que tomem conhecimento acerca da punição no item 4.
Intime-se, pessoalmente, o Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquive-se com baixa no SISCOM.
Rio Pardo de Minas, 26 de julho de 2016.
JOÃO CARNEIRO DUARTE NETO
Juiz de Direito