P ODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
1ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E VEP
COMARCA DE PEDRA AZUL
Processo nº.: 0010499-10.2017.8.13.0487
Autor: João Carlos Soares da Silva e outros
Réu: Câmara Municipal de Pedra Azul e outros
SENTENÇA
Trata-se de ação popular em que os autores sustentam, em síntese:
A Câmara Municipal de Pedra Azul aprovou Resolução no mês de fevereiro/2017 para recomposição dos subsídios dos vereadores, no patamar de 30% (trinta por cento);
Com a Resolução nº 13/2017, os Vereadores passaram a receber subsídio de R$ 6.370,00 (seis mil trezentos e setenta reais), sendo que antes recebiam subsídio de R$ 4.900,00 (quatro mil e novecentos reais);
A Resolução nº 13/2017 atacada está em vigor desde 07.02.2017, com efeitos retroativos a janeiro/2017, com isso, os Vereadores já estão recebendo subsídios reajustados e causando grande dano ao erário;
O reajuste afrontou o princípio da moralidade administrativa, posto que os Vereadores legislaram em causa própria reajustando seus subsídios na mesma legislatura;
O acesso ao ato atacado (Resolução nº 13/2017) foi dificultado aos advogados dos autores que tiveram que buscar a intervenção judicial para obter o documento, em afronta ao princípio da publicidade;
O ato atacado é nulo por inobservar a forma estabelecida na legislação vigente e com violação aos princípios constitucionais que regem a administração pública;
A fixação dos subsídios dos Vereadores, através da máscara da recomposição, levada a efeito por meio da Resolução 13/2017, é de inconstitucionalidade chapada, uma vez que o ato normativo guerreado foi editado na própria legislatura.
Requer a suspensão liminar do ato lesivo impugnado e fundamentam o periculum in mora diante do prejuízo ao erário na utilização indevida da verba pública em proveito próprio. Já o fumus boni iuris consubstancia-se com a previsão legal e constitucional sobre a forma de fixação e reajuste dos subsídios.
Com a inicial juntaram os documentos, ff. 24/289.
A decisão de f. 290 determinou a distribuição por sorteio por entender ausente a prevenção alegada.
Após redistribuição vieram os autos conclusos.
Liminar deferida às ff. 291/294 e verso.
Os requeridos foram devidamente citados, oportunidade em que apresentaram defesa às ff. 389/419.
Impugnação juntada às ff. 559/574.
Instadas as partes à especificação de provas (f. 576), os requeridos pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (ff. 757/759). Por sua vez, os autores requereram a produção de prova testemunhal (f. 763 e verso).
Às ff. 767/771 foi juntado aos autos cópia do acórdão proferido nos autos de Agravo de Instrumento nº. 1.0487.17.001049-9/001, que confirmou a decisão liminar proferida às ff. 291/294 e verso.
É o relatório. Decido.
Cuida-se de AÇÃO POPULAR proposta por cidadãos desta Cidade e Comarca de Pedra Azul, em face da Câmara Municipal e de seus Edis, buscando a anulação da Resolução nº. 13/2017, ao argumento que esta afrontou o princípio da moralidade administrativa, já que os requeridos legislaram em causa própria ao reajustarem seus subsídios com efeitos imediatos para a legislatura em curso.
Da impugnação do valor da causa
Em sede preliminar, os requeridos sustentaram a inadequação do valor da causa estipulado em sede inicial, razão pela qual pugnaram pelo seu devido decote.
Contudo, entendo que não merece acolhimento o pedido de alteração do valor da causa para o valor de R$ 194.040,00.
Compulsando os autos, verifico que a parte autora, deu à causa o valor de R$ 776.160,00.
Como bem explicou a parte requerida a diferença salarial do subsídio anterior dos edis para o majorado pela Resolução nº. 13/2017 corresponde ao valor de R$ 1.470,00, sendo que calculando este valor pelo número de parlamentares, chega-se ao valor mensal de R$ 16.170,00.
Ora, os requeridos foram eleitos para uma legislatura, que corresponde a um período de quatro anos, portanto multiplicando-se o mencionado valor por doze (meses) e em seguida por quatro (anos), chega-se ao valor de R$ 776.160,00.
Portanto, correto o valor atribuído em sede inicial, não havendo se falar correção do referido montante.
Da preliminar inadequação da via eleita
Ainda em sede preliminar, os requeridos aduzem a inadequação da via eleita, ao argumento da impossibilidade de utilização de ação popular como ação direta de inconstitucionalidade para atacar o ato normativo, e ainda em virtude da inicial confundir os institutos da revisão geral anual com a fixação de subsídios, não ocorrendo, também, erro de forma, por ser a Resolução o ato normativo aplicado à questão, nem tampouco violação ao princípio da moralidade.
De fato, a ação popular não pode ser ajuizada contra "lei em tese" porquanto não é substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade.
Contudo, in casu, verifica-se que o ato atacado, Resolução 13/2017, que trata da recomposição dos subsídios dos vereadores do município de Pedra Azul.
Não há dúvidas, portanto, que o objetivo da presente ação é a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, o que é plenamente cabível na via eleita.
Anota-se, ainda, que a preliminar aventada já foi rejeitada pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, quando do julgamento do agravo de instrumento nº. 0262459-27.2017.8.13.0000 interposto pelos requeridos em face da decisão liminar de ff. 291/296 e verso:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO POPULAR - MUNICÍPIO DE PEDRA AZUL - AGENTES POLÍTICOS - PRELIMINAR - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REJEIÇÃO - REAJUSTE DE SUBSÍDIOS DE VEREADORES NA MESMA LEGISLATURA - INOBSERVÂNCIA DA ANTERIORIDADE - ART. 29, INC. V, DA CF/88, E ART. 179 DA CEMG - RECURSO NÃO PROVIDO.- Deve ser rejeitada a preliminar de inadequação da via eleita, haja vista que a pretensão inicial cinge-se à anulação de um ato administrativo que os agravados reputam lesivo ao patrimônio público, nos termos do artigo 5º, LXXIII, da Constituição da República. - Nos termos da redação originária do art. 29, inc. V, da CR/88, e do art. 179 da Constituição do Estado, a fixação dos subsídios do prefeito, vice-prefeito e vereadores pela Câmara Municipal deve ocorrer na legislatura anterior para a subsequente. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0487.17.001049-9/001, Relator(a): Des.(a) Elias Camilo, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/2017, publicação da súmula em 15/12/2017) (grifei)
Assim, rejeito a preliminar de inadequação da via eleita.
Presentes os pressupostos processuais e ausentes nulidades ou irregularidades a sanar e diante da inexistência de outras preliminares, passo ao exame do mérito.
A lide comporta julgamento antecipado, pois a questão posta em Juízo é eminentemente de direito e os documentos coligidos aos autos são amplamente suficientes ao deslinde da ação, restando, portanto, inócua a eventual produção de prova testemunhal. Com efeito, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a respeito do julgamento antecipado tem pronunciado: “Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (STJ- 4ª turma- Resp 2.832, Rel. Ministro Sálvio Figueiredo).
Como sabido, a ação popular tem por finalidade a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
Ou seja, todo e qualquer ato tendente a lesar patrimônio público neste compreendido os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, podem ser atacados pela ação popular na ausência de outra ação específica.
In casu, os autores alegam que a Resolução nº 13/2017 promulgada pela Mesa Diretora da Câmara Municipal de Vereadores de Pedra Azul é ato nulo e objetiva lesar patrimônio público, notadamente porque os Vereadores teriam promovido reajuste do próprio subsídio na mesma legislatura em que seriam beneficiados.
Ademais, urge realçar que da análise dos documentos acostados, a referida Resolução n.º 13/2017 entrou em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 01/01/2017, ou seja, com vigência para a mesma legislatura.
Assim preconiza o artigo 179 da Constituição Mineira:
Art. 179 - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Vereador será fixada, em cada legislatura, para a subsequente, pela Câmara Municipal.
Parágrafo único. Na hipótese de a Câmara Municipal deixar de exercer a competência de que trata este artigo, ficarão mantidos, na legislatura subsequente, os critérios de remuneração vigentes em dezembro do último exercício da legislatura anterior, admitida apenas a atualização dos valores.
De acordo com a Constituição da República de 1988, os subsídios do Prefeito, Vice-prefeito e Secretários Municipais são fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, nos termos do art. 29, incisos V e VI, observados os critérios estabelecidos pela Lei Orgânica.
O inciso VI, suso mencionado, trata do princípio da anterioridade da legislatura, segundo o qual, a fixação da remuneração deve se dar em cada legislatura para a subsequente.
Em que pese referida obrigatoriedade constar expressamente apenas no inciso V, não se olvida que deve ser observada também para a fixação da remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários.
Ademais, de acordo com o preconizado no artigo 37, X, XI, entendo que a revisão geral anual deveria ser estabelecida em legislatura anterior, sob pena de se esvaziar a regra constitucional de fixação do subsídio dos vereadores em legislatura anterior aos beneficiados pelo ato. Ou em outra análise, com espaçamento mínimo de um ano entre os reajustes anuais, a fim de se evitar o efeito cumulativo que encobre verdadeira majoração de subsídio sob o manto protetor da revisão geral anual.
Ora, é inconteste o fato dos requeridos terem aumentado seus subsídios para vigorarem na mesma legislatura o que, afronta de forma inobjetável os princípios da anterioridade, inalterabilidade e moralidade.
O princípio da anterioridade da fixação é instituído pelo art. 29-A da Carta Magna, segundo o qual qualquer modificação que acarrete aumento nos subsídios dos agentes políticos deverá ser providenciada em legislatura antecedente àquela em que vigorará o reajuste. Tal princípio visa impedir que os vereadores legislem em causa própria, aumentando seus próprios subsídios.
Deve-se registrar que o princípio da anterioridade não se circunscreve à vedação de fixação dos subsídios na mesma legislatura, pois assim sua finalidade poderia ser facilmente desviada, bastando que os vereadores, no último mês da legislatura e cientes do resultado das eleições para o próximo mandato fixassem os subsídios para a legislatura vindoura, beneficiando a si próprios.
A finalidade da norma é resguardar a moralidade administrativa, havendo respeitável entendimento jurisprudencial de que a revisão deve ocorrer, inclusive, antes do pleito que versar sobre a eleição dos vereadores para a nova legislatura.
Sobre o tema, já se manifestou o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
Como bem anotado no voto proferido pelo i. Des. Edgard Penna Amorim no acórdão de fls. 219/228, ao tempo em que foram editadas as resoluções supra transcritas, a CF previa, em seu art. 29, inciso V, que a remuneração do Prefeito, Vice Prefeito e Vereadores deveria ser fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura, para a subsequente, impedindo, dessa forma, que os edis legislassem em causa própria (TJMG - Arg Inconstitucionalidade 1.0432.02.000929-1/003, Relator(a): Des.(a) Edivaldo George dos Santos, CORTE SUPERIOR, julgamento em 11/04/2012, publicação da súmula em 27/04/2012) - Grifei
"VEREADOR - REMUNERAÇÃO DE AGENTES POLÍTICOS - CÂMARA MUNICIPAL - LEGISLAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO - DECRETAÇÃO DE NULIDADE - DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE - Conforme dispõe o art. 29, V, da Constituição Federal, a Câmara Municipal fixará a remuneração do Prefeito, Vice- Prefeito e dos Vereadores, em cada legislatura, para a seguinte, não podendo, assim, os vencimentos dos mesmos ser alterados, mediante resolução, quando já em curso nova legislatura. A Constituição Federal outorgou ao Poder Legislativo autonomia e competência para fixar a remuneração de seus agentes, desde, é claro, que se respeitem as limitações da Lei Maior, deve ser declarada, em processo próprio, a nulidade do ato que lhe deu origem, operando, tal declaração, efeitos "ex tunc", e obrigando-se os beneficiados à devolução aos cofres públicos dos vencimentos recebidos ilegalmente." (TJMG - AC 70.073/2 - 5ª C. Cível - Res. Des. Bady Curi - J. 27/02/97 (05.139/140-178).
Peço licença, para transcrever parte do voto proferido pelo eminente Desembargador Elias Camilo, quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº. 1.0487.17.001049-9/001:
A respeito da matéria trazida a julgamento, o art. 29, inc. V, da CF/88 estabelece, em sua redação originária, limitação temporal à edição de lei que altera o subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, nos seguintes termos:
''Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
V - remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura, para a subsequente, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2.º, I;
(...).''
No mesmo sentido, dispõe o art. 179 da Constituição do Estado de Minas Gerais:
''Art. 179 - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Vereador será fixada, em cada legislatura, para a subsequente, pela Câmara Municipal.
Parágrafo único - Na hipótese de a Câmara Municipal deixar de exercer a competência de que trata este artigo, ficarão mantidos, na legislatura subsequente, os critérios de remuneração vigentes em dezembro do último exercício da legislatura anterior, admitida apenas a atualização dos valores. ''
Destarte, os Textos Constitucionais, federal e estadual, consagraram, indubitavelmente, o princípio da anterioridade em relação aos subsídios dos agentes políticos acima indicados, estabelecendo expressamente que eventual revisão de valores só teria validade para a legislatura seguinte.
No caso vertente, em 13 de fevereiro de 2017 a Câmara Municipal de Pedra Azul baixou a Resolução n.º 13/2017, cujo art. 1º dispõe:
''Art. 1º - Ficam recomposto, a título de revisão geral anual, com base no inciso X, do Art. 37, da Constituição Federal, correspondente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, os Subsídios dos vereadores fixados na Lei 1.466 de 22 de setembro de 2008, sendo:
I - (5,56%), Cinco inteiros cinquenta e seis centésimos por cento, correspondente à variação no período compreendido entre janeiro a dezembro de 2013;
II - (6,23%) Seis inteiros e vinte e três centésimos por cento, correspondente à variação no período compreendido entre janeiro a dezembro de 2014;
III - (11,28%) Onze inteiros e vinte e oito centésimos por cento correspondente à variação no período compreendido entre janeiro a dezembro de 2015;
IIV - (6,58%) seis inteiros e cinquenta e oito centésimos por cento correspondente à variação no período compreendido entre janeiro a dezembro de 2016;
Como perceptível, a resolução transcrita estabeleceu novo valor de subsídio para Vereadores do Município de Pedra Azul, correspondentes a 29,65%, o qual teria vigência retroativa a partir de 01/01/2017, ou seja, na mesma legislatura.
Em consonância com tal entendimento, já decidiu Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. VEREADORES. SUBSÍDIO. AUMENTO, DE FORMA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a remuneração de Prefeito, de Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal para a legislatura subsequente, em conformidade com o art. 29, V, da Constituição Federal. 2. Caso em que inobservado o art. 29, V, da Carta Magna, pois os vereadores majoraram, de forma retroativa, sua remuneração. 3. Agravo regimental desprovido.(RE 458413 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 21-08-2013 PUBLIC 22-08-2013) (destaquei)
Diante disso, resta clara a violação à regra constitucional estampada no art. 29, inc. V, da CF/88, e no art. 179 da CEMG, não havendo que se falar na ocorrência de mera ''revisão geral anual'', porquanto, qualquer modificação que possa acarretar em aumento real nos subsídios dos agentes políticos, deverá ser providenciada em cada legislatura para a subsequente, em estrita observância ao principio da anterioridade.
Nos termos do que dispõe a Constituição Estadual, o que seria permitido era apenas a atualização dos valores vigentes na legislatura anterior (art. 179, parágrafo único, da CEMG).
No mesmo sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADORES. MAJORAÇÃO DOS SUBSÍDIOS PARA A MESMA LEGISLATURA. PRECEDENTES. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Pretensão à condenação dos réus por ato de improbidade administrativa – Procedência – Hipótese de majoração dos salários dos vereadores para a mesma legislatura – Inadmissibilidade – Enriquecimento ilícito e ofensa aos princípios da administração pública e deveres a que estão obrigados – Recurso parcialmente provido apenas para a redução da multa prevista no inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92” (fl. 126). Não foram opostos embargos de declaração. 2. Os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo teria contrariado o art. 37, inc. X, da Constituição da República. Argumentam que: “Todos os municípios brasileiros se defrontam, até hoje, com a mesma celeuma jurídica: como conciliar a regra da anterioridade da legislatura, prevista no inciso VI do art. 29, com a da ‘revisão geral anual sempre na mesma data e sem distinção de índices’ constante do inciso X do art. 37 da Constituição Federal. (...) A reforma do v. acórdão deve se dar em termos que considere legítimo e autorizado pelo ordenamento constitucional o ato do presidente da Câmara Municipal de Guariba de determinar a extensão aos vereadores do reajuste anual que beneficiou todos os integrantes do Poder Executivo municipal. Portanto, tal fato não se constitui em ato de improbidade administrativa enquadrável na Lei n. 8.429/1992”. (fls. 191). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste aos Recorrentes. 4. O Desembargador Relator Antonio Carlos Malheiros afirmou: “Não assiste razão aos apelantes. Já na Constituição de 1988 constava que os vencimentos dos vereadores seriam fixados de uma legislatura para outra. Ficavam assim coibidos os abusos dos agentes políticos que objetivassem o aumento de seus próprios vencimentos. Com a Emenda Constitucional n. 19/98, os vencimentos foram substituídos por "subsídios", permitindo a revisão geral anual, inclusive dos membros do Poder legislativo. Baseando-se no critério elástico da expressão "revisão geral anual", os parlamentares voltaram a aumentar o valor dos subsídios, os quais deveriam ser aumentados de uma legislatura para outra. Para coibir os abusos foi promulgada a Emenda Constitucional 25/2000, que determinou que o subsidio dos vereadores será fixado pelas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe a Constituição e os critérios estabelecidos na Lei Orgânica dos Municípios. A Câmara Municipal de Guariba adaptou sua Lei Orgânica aos ditames da Constituição Federal promulgando a Emenda 002/2000, determinando no art. 69: ‘O subsidio dos Vereadores será fixado por Lei de Iniciativa da Câmara Municipal em cada Legislatura para a Subsequente, observados os limites estabelecidos na Constituição Federal, em relação à população do Município: b) de dez mil e um até cinquenta mil habitantes, o subsídio máximo dos vereadores corresponderá a 30% (trinta por cento) do subsídio dos Deputados Estaduais’. Como bem salientado no Douto Parecer da Procuradoria Geral de Justiça: "O propósito refreador oriundo da EC 25/01 é manifesto seja porque restaurou a necessidade de anterioridade, seja porque restou imposto teto remuneratório aos subsídios devidos pela vereança; ambos ignorados na decisão colegiada da Câmara Municipal de Guariba. Disso já resultou decisão do E. STF (FE 172.212-6/SP, Rel Min. Maurício Corrêa, 2a Turma, 27 mar 1998) interpretando-se aquelas normas constitucionais como proibitivas da fixação de subsídios para a mesma legislatura: ‘a remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para subsequente’, considerando, ainda, que a fixação de subsídios na mesma legislatura configura "ato lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, patrimônio moral da sociedade. " (cf. Uadi L. Bulos, Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, p 521). Estes são motivos mais do que suficientes para considerar que houve ato de improbidade administrativa, porque não se admite alegação de desconhecimento da lei por ninguém, e por muito maior razão por pessoas que possuem o mister de elaborá-las e pautar seu comportamento pelas normas que orientam seu mister. Por este motivo não pode um membro do Poder legislativo alegar ignorância da lei, ou boa-fé, ou mesmo que o aumento foi pequeno para provocar a reação do Ministério Público. A ignorância da lei não se admite a ninguém e muito menos aos réus. E, seja qual for o valor do aumento, é ele imoral. E, é isto que determina a aplicação das penalidades. Houve improbidade e esta não se mede pelo valor pecuniário do aumento, e sim pela intenção de burlar a lei” (fls. 127-129, grifei). 5. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, que assentou ser aplicável também aos municípios o art. 29, inc. V, da Constituição da República. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. REMUNERAÇÃO. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal de origem, ao constatar que os Atos 3 e 4/97 da Mesa da Câmara Municipal de Arapongas traduziram majoração de remuneração, agiram em conformidade com o entendimento pacífico desta Suprema Corte no sentido de que a remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente, de acordo com o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal. Precedentes. II. Agravo regimental improvido.” (AI 776.230-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira turma, DJe 26.11.2010) “CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VEREADORES. REMUNERAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. CF/88, ART. 29, V. 1. Princípio da anterioridade – A remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente (CF, art. 29, V). Precedentes. 2. As razões do regimental não atacam os fundamentos da decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido.” (ARE 229.122-AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 19.12.2008) “CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. VEREADORES: REMUNERAÇÃO: FIXAÇÃO: LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. C.F., art. 5º, LXXIII; art. 29, V. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA: LESÃO. I. - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente. C.F., art. 29, V. Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando essa remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. C.F., art. 5º, LXXIII. II. - Ação popular julgada procedente. III. - R.E. não conhecido” (RE 206.889, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 13.6.1997, grifei). “Inexistência de ofensa ao artigo 93, IX, da Constituição. - Improcedência da alegação de infringência ao artigo 2º da Carta Magna, pois, quando se trata de ação popular contra a prática de atos administrativos que se reputam contrários à Carta Magna ou em fraude a ela, como ocorre no caso, não há que se pretender que o Poder Judiciário, chamado a julgá-la, se esteja imiscuindo, indevidamente, em assunto que envolve juízo de mérito ou político que é privativo de outro Poder. - Igualmente, nas duas situações ocorrentes na espécie (a do pagamento, contra legem, da diferença a maior paga aos vereadores e a da fraude ao artigo 29 da Constituição), não procedem as alegadas ofensas aos artigos 29, V, e 37, X, da Carta Magna. Recursos extraordinários não conhecidos” (RE 230.267, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 15.12.2000, grifei). Nada há a prover quanto às alegações dos Recorrentes. 6. Pelo exposto, nego seguimento a este recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2012. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora. (RE 597725, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 17/09/2012, publicado em DJe-188 DIVULG 24/09/2012 PUBLIC 25/09/2012). Sem grifos no original.
Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Constitucional. Prefeito, Vice-Prefeito e vereadores. Fixação da remuneração. Obrigatoriedade de ser feita na legislatura anterior para vigorar na subsequente. Princípio da anterioridade. Precedentes. 3. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 843758 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 12-03-2012 PUBLIC 13-03-2012).
Dessa forma, é possível constatar, com segurança, que os documentos trazidos pelos requeridos, não foram capazes de desconstituir as alegações contidas na peça exordial.
Considerado o fato de que os subsídios tem caráter alimentar, será necessária a análise da má-fé para se desconstituir a obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos.
No caso, apenas há que se admitir a existência de boa-fé em relação aos réus que não tenham dado causa ao pagamento indevido, ou seja, àqueles que não tenham participado do processo legislativo que culminou com a promulgação da Resolução nº. 13/2017 da Câmara Municipal de Pedra Azul e aqueles que não tenham sido ordenadores de despesas.
Quanto aos que participaram do processo legislativo ou foram ordenadores de despesas, por haver elementos suficientes a demonstrar a manifesta intenção em sobrepujar a Constituição e legislação infraconstitucional e, em última análise, realizar conduta contrária aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, não há que se falar em boa-fé e, portanto, terão que restituir todo o valor recebido.
Por fim, antes que se fale em verba de caráter alimentar, não se pode esquecer que se trata de dinheiro público gasto de forma ilegal e inconstitucional. A admitir-se que os subsídios recebidos ilegalmente têm caráter de verba alimentar e, assim, irrepetíveis, a natureza da verba alimentar estaria sendo usada como escudo protetivo para práticas escusas. A partir do momento que o agente recebesse “verba”, “subsídio”, “remuneração” de forma ilegal, estaria dispensado da restituição por se tratar de verba alimentar.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015 para declarar ilegais as alterações feitas através da Resolução 13/2017 da Câmara Municipal de Pedra Azul, e, via de consequência, o aumento por ela concedido aos edis, condenando os requeridos a restituírem todos os valores recebidos por força da alteração da mencionada Resolução, corrigidos monetariamente através dos índices divulgados pela CCJ/MG, a partir de cada pagamento indevido, bem como acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, a ser apurado em eventual liquidação de sentença.
Via de consequência, confirmo a liminar deferida às ff. 291/294 e verso.
Em razão da sucumbência, condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Oportunamente, arquivem-se os autos com as devidas baixas no SISCOM.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Pedra Azul, 15/06/2019.
Guilherme Esch de Rueda
Juiz de Direito