Processo nº: 0718.07.001220-5

Ação: AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 

 

 

 

 

SENTENÇA

 

 

 

 

 

Vistos, etc...

 

I- RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, representado pelo Promotor de Justiça, ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de ANTÔNIO JOSÉ RABELO, devidamente identificado, visando a condenação do Réu pela prática do ilícito disposto no Artigo 9º, XII, da Lei nº 8.429/92 e nas sanções previstas no Artigo 12, I, do referido diploma legal.

Relata, para tanto, que instaurou o Inquérito Civil Público nº 117/06 para apuração de uso indevido de veículo oficial pelo Réu, na qualidade de Prefeito Municipal de São Geraldo da Piedade, para fins particulares no período de 01 a 05 de março de 2006, já que no período acima, logo após o feriado do carnaval, o réu utilizou o automóvel Toyota Corolla, Placa HMN-3590, veículo oficial do gabinete do chefe do Poder Executivo para deslocamento até o Hotel Residencial do Mirante, situado na Av. Lago Maggiore, quadra 120, lote 20, Balneário Praia de Guarativa, Município de Prado, BA, onde permaneceu hospedado à passeio no apartamento 29, por 05 dias.

Diz que o réu informou que o veículo em questão atende aos seus interesses, segundo seus próprios critérios de conveniência e oportunidade.

Tece considerações sobre o direito posto e invocando os preceitos da Lei nº 8.429/92, conclui por requerer a notificação do réu para manifestação, o recebimento da inicial, sua citação para oferecimento de contestação e, ao final, a procedência do pedido, com a condenação em custas e despesas processuais.

Juntou os documentos de fls. 12/71.

O Réu, via petição de fls. 79/97, prestou informações, arguindo, preliminarmente, a incompetência absoluta e a inconstitucionalidade da Lei 8.429/92, com a extinção do processo.

No mérito, esclarece que a Ação Penal foi julgada e a 1ª Câmara Criminal do TJMG rejeitou à unanimidade a denúncia, reconhecendo que o uso do veículo de representação não foi considerado impróprio e, nesse caso, não pode incidir a figura ilícita prevista no Artigo 9º, inciso XII, da Lei nº 8.429/92.

Argumenta que o veículo de representação consiste numa extensão do gabinete do prefeito; que a utilização está dentro dos critérios da conveniência e oportunidade; que o cerne do problema está em se conceber acerca da modalidade do uso do veículo, ou seja, se o gasto poderia ou não ser previsto; que a utilização do veículo para fim particular, stricto sensu, não está revestido do estigma da ilicitude, já que tal situação está amplamente prevista e autorizada; que o uso do automóvel não foi indevido.

Tece considerações sobre o documento anônimo e apócrito e conclui pela rejeição da ação.

Juntou a procuração de fls. 98.

O MP foi ouvido (fl. 101/105).

A decisão de fls. 100/104, que recebeu a inicial com lastro no Artigo 17, § 9º da Lei nº 8.429/92, restou irrecorrida.

Citado, o Réu ofertou contestação às fls. 107/118, reiterando os fatos e os pedidos lançados na defesa prévia.

Impugnação à contestação às fls. 122/131.

Não foi produzida prova oral (fl. 151 e 191).

Em alegações finais, as partes ratificaram suas teses (fls. 197 e 196).

É o relatório. DECIDO.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

O contraditório foi observado.

Conforme entendimento dominante do STJ - Superior Tribunal de Justiça: “Os juízes não são obrigados a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, nem a examinar, uma a uma, as teses por elas levantadas e os dispositivos apontados, mas, apenas, devem se referir aos princípios e normas que entendem ser, direta e necessariamente, aplicáveis ao caso concreto”1.

O TJMG, apreciando a questão, também já asseverou que “Não há obrigação processual de serem esmiuçados todos os pontos argüidos nos arrazoados das partes, bastando a explicitação dos motivos norteadores do convencimento, sobreconcentrando-se no núcleo da relação jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde.”2

É com mote nas decisões transcritas que passo a apreciação da vexata quaestio.

As preliminares já foram decididas.

Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público contra Prefeitura Municipal o visando a condenação do Chefe do Poder Executivo Municipal pelo uso particular e indevido de veículo.

Os documentos juntados com a exordial comprovam a saciedade que o Réu – Antônio José Rabelo – Prefeito Municipal de São Geraldo da Piedade utilizou o veículo em viagem particular.

O Réu não nega a utilização do veículo oficial – Placa HMN-3590 – para viagem a passeio ao Balneário Praia de Guarativa, situada no Município de Prado, Bahia, no período de 01 a 05 de março de 2006.

Inexistem quaisquer provas de que o Chefe do Executivo Municipal estava no balneário em missão oficial.

Portanto, o deslocamento ocorreu para fins particulares.

A questão então passa pela legalidade ou ilegalidade de utilização de veículo oficial para fim exclusivamente pessoal e particular pelo chefe do executivo municipal.

A Lei 8.429/92, no seu Art. 9º, caput, define que “Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

….

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”

Nota-se que o tipo está cristalino.

Além da utilização do veículo, que gera desgastes, há, ainda, os valores dispendidos pelo município para abastecimento do veículo, eis que do Município de São Geraldo da Piedade, MG, até Prado, Bahia, são aproximadamente 530 km.

A viagem de ida e volta implica em 1.060km/rodados.

Houve prejuízo para o Municipalidade!? A resposta é positiva.

Sobre a utilização de veículo oficial pelo Chefe do Executivo para viagem particular, o TJMG analisando questão análoga assim decidiu:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SANÇÃO CIVIL - ART. 12 DA LEI 8492/92 - PROPORCIONALIDADE.

O ato de improbidade administrativa se caracteriza pela lesão a bens e valores jurídicos protegidos pela ordem jurídica, de modo a resguardar a moralidade, a honestidade e a legalidade da atuação dos agentes da Administração Pública.

Demonstrada a prática do ato de improbidade administrativa, em razão da utilização indevida do veículo oficial para viagem particular, cabe ao Magistrado, observando a proporcionalidade, a fixação sanção civil prevista no art. 12 da Lei 8492/92, adequando-a à finalidade da norma. (TJMG - EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0105.07.226006- 7/004 - COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - EMBARGANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - EMBARGADO(A)(S): OLIVER MADEIRA BICALHO. Rel. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT. Data da publicação da súmula: 28.06.2013).

 

O certo é que, a priori, o administrador público responde com seus próprios bens pelos atos que eventualmente cometer, culposa ou dolosamente, pois deveria, rigorosamente, proceder hipoteca legal de seus bens no momento em que iniciasse uma administração.

Coube a sociedade escolher, “...por seus representantes constitucionais, o caminho do combate rigoroso à improbidade administrativa. Tal linha de pensamento há de nortear os lidadores do direito comprometidos com a busca, a promoção e a distribuição da justiça. A estreiteza da lógica puramente formal, como suporte para absurda impunidade, não deve imperar em detrimento de uma compreensão mais ampla da legislação regressiva da improbidade administrativa, no atual contexto histórico, sob pena de se esvaziarem importantes e legítimas expectativas da sociedade organizada”3.

Assim, cabível a condenação no ressarcimento do ente público, consubstanciado no combustível consumido na viagem de 1.060 km e, ainda, inerente ao desgaste do veículo que arbitro em 01 (um) salário mínimo.

Por fim, a princípio não se mostrava possível ao julgador, após concluir pela presença dos requisitos autorizadores do reconhecimento da improbidade administrativa, em qualquer de suas modalidades, optar pela exclusão de algumas das sanções legais, ou reduzir o quantum sancionatório a um patamar aquém do mínimo legal, sob pena de afronta expressa ao próprio texto constitucional (art. 37, § 4º, da Carta Constitucional) e as normas legais específicas (art. 12, incisos I, II e III da Lei nº 8.429/92)4.

Contudo, em 2009 o legislador alterou a redação do Artigo 12 da Lei 8.429/92, nos seguintes termos:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” Grifo meu.

No caso dos autos, cabível a aplicação da penalidade de multa civil, em valor correspondente a duas vezes a remuneração do prefeito, e de contratação com o poder público, previstas no inciso I, da Lei nº 8.429/92, de forma a reprimir fatos dessa natureza e atenderá à sua finalidade de inibir futuras práticas lesivas à moralidade administrativa.

Anoto, por derradeiro, que a absolvição na esfera criminal não interfere na condenação, na seara cível, com base na Lei 8.429/92.

Assim sendo, reconhecendo a força da prova produzida e preenchidos os requisitos da lei civil, impõe-se a procedência do pedido formulado na exordial.

 

III- DISPOSITIVO

 

EX POSITIS e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial para condenar o Réu ANTÔNIO JOSÉ RABELO no ressarcimento aos cofres públicos da importância relativa ao combustível consumido no percurso de 1.060 km, além do desgaste do veículo, arbitrado nesta data em R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais), devidamente corrigido pela Tabela fornecida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais com juros de 1% ao mês, contados da citação, a ser apurada mediante simples cálculo aritmético (Art. 604 e 614 do CPC), com resolução do mérito, nos termos do Artigo 269, I, do CPC.

A importância relativa ao consumo do combustível será apurada de acordo com os valores da época da viagem (01 a 05.03.2006), utilizando com parâmetro os combustíveis adquiridos pelo Município de São Geraldo da Piedade para utilização na frota municipal, devidamente corrigido pela Tabela fornecida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais com juros de 1% ao mês, contados da citação.

Restando configurada a improbidade administrativa, impõe-se a aplicação das penalidades prevista no Artigos 12, I, da Lei 8.429/92.

Considerando as diretrizes traçadas pelo dispositivo legal e as razões supra expostas, APLICO AS PENALIDADES de pagamento de multa civil de importância igual a 02 (duas) vezes o valor da remuneração do prefeito e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 8 (oito) anos.

Condeno-o, ainda, no pagamento das custas processuais.

Cientifico o(s) vencido(s) para, no prazo de 15 dias, efetuarem o pagamento do montante da condenação sob pena de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor, observado o disposto no Artigo 614, inciso II, do CPC52, ser expedido o competente mandado de penhora e avaliação, que poderão recair, inclusive, sobre bens já indicados pelo Exeqüente (Art. 475-J, caput, e § 3º do CPC).

Se efetuado o pagamento parcial do débito, no prazo acima, a multa de 10% (dez por cento) incidirá apenas sobre o restante (§ 4º do Art. 475-J, do mesmo diploma legal).

Transitada em julgado, não sendo requerida a execução, arquivem-se os autos, ressalvado o desarquivamento a pedido da parte (§ 5º do CPC).

P.R.I.

Cumpra-se.

De Belo Horizonte p/Virginópolis, 19 de maio de 2014.

 

 

 

1 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO N° 2.0000.00.468541-4/003 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): ESPÓLIO DE RENÉ RENAULT NETO - EMBARGADO(A)(S): CIA. AGRÍCOLA SANTA BÁRBARA - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA. Data da Publicação: 11/05/2007.

2 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.077615-6/002 EM APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.08.077615-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): VIVAMED COOP DE USUÁRIOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICO HOSP DO SICOOB LTDA - EMBARGADO(A)(S): UNIMED BH COOPERATIVA TRABALHO MEDICO LTDA, LUCIO MARINHO DE OLIVEIRA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS. Data da publicação: 18/08/2009.

 

3Sobre a importância de o ato interpretativo atentar às exigências da vida real, ver DU PASQUIER, CLAUDE, Introduction à la théorie générale et à la philosophie du droit, quatrième édition mise à jour et augmentée, Delachaux & Niestlé S.A., págs. 198/199. Citado por Fábio Medina Osório (RJ nº 235 - MAI/97, pág. 134).

4IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DECORRENTE DE DESPESAS PÚBLICAS ILEGAIS E IMORAIS: ASPECTOS PRÁTICOS DA LEI Nº 8.429/92 - por Fábio Medina Osório - Publicada na RJ nº 235 - MAI/97, pág. 134)”.

5 Cumpre ao Credor, ao requerer a execução, instruir o pedido com o demonstrativo do débito, devidamente atualizado.