Comarca de Itapecerica

Processo nº 705-0/16

Requerente : Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Requerido : Antônio Dianese

 

 

Vistos, etc...

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por meio da Promotoria de Justiça de Itapecerica aforou Ação Civil Pública de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa com Pedido Liminar de Indisponibilidade de Bens contra ANTÔNIO DIANESE, qualificado, alegando que o atual gestor lançou um suposto jornal, efetuando autopromoção através da máquina pública, em pleno ano eleitoral e com claro desvio de finalidade, sendo patente a ofensa aos princípios administrativos e ao §1º do art. 37, ambos expressos na Constituição; que o jornal, embora traga a data de dezembro de 2015, fora distribuído em janeiro de 2016; que o informativo bombardeia a gestão passada e enaltece fatos promovidos em outra gestão do requerido; que o requerido incorreu nos atos de improbidade administrativa definidos nos arts. 9, caput e inciso XII, 10, caput e inciso IX, e 11, caput e inciso I da Lei nº8.429/92; que forçosa a demonstração dos requisitos básicos para o deferimento da cautelar, contudo, a Lei de Improbidade presume o perigo de dano, nos casos em que a probabilidade do direito seja latente. Requer, liminarmente, a indisponibilidade de bens do requerido e, ao final, seja julgado procedente o pedido, para confirmar a liminar e condenar o requerido nas sanções do art. 12, I a III, da Lei de Improbidade.

 

Vieram com a inicial os documentos de f. 35/95.

 

As partes manifestaram sobre a possibilidade de formulação de acordo para devolução do prejuízo ao erário (f. 97/100 e 101), razão pela qual fora designada a audiência de conciliação (f. 102).

 

Audiência atermada na f. 104, com posterior suspensão eis que o Parquet tomou posse há pouco tempo e não teve conhecimento dos pedidos da ação.

 

Na f. 106, o MP pugnou pelo prosseguimento do feito.

 

Defesa preliminar de Antônio Dianese nas f. 111/135, aduzindo, preliminarmente, a ausência de realização de audiência de conciliação, que só não se realizará caso ambas as partes manifestem; a inexistência de elementos que caracterizem improbidade administrativa, pois a ação se pauta na violação principiológica sendo ausente prova do dolo do requerido; a impossibilidade de indisponibilização de seus bens, eis que a Lei de Improbidade não pode ser usada para embasar este pedido na Ação Civil Pública, exceto no caso de risco de dilapidação patrimonial. No mérito, aduz que sequer a logomarca da atual gestão foi impressa no Boletim; que jamais permitiria que sua equipe utilizasse de meios ilegais para autopromoção; que o jornal somente demonstra realizações de sua gestão, e seu nome somente aparece na página 6, o que não é crime; que cuidou para não denegrir terceiros, utilizando termos genéricos e sem nominar as pessoas; que intentou o direito de informação da população; que é claro o viés político do Parquet ao interpretar o Boletim como crime; que o valor gasto com publicidade representa apenas 0,038% dos recursos orçamentários executados nos anos de gestão; que a publicidade é permitida pelo art. 37, §1º, da CR/88 e admitida pelo Tribunal de Contas do Estado; que o Boletim enquadra-se como publicidade institucional referida no art. 3º, I, da Instrução Normativa/ SecomPR nº 07/2014, além da publicidade estar prevista infraconstitucionalmente na Lei nº 12.527/2011. Requer o acolhimento desta peça como defesa preliminar.

 

Impugnação nas f. 6.269/v.

 

Em despacho saneador na f. 6.271/6.272v, fora indeferida a audiência de conciliação e determinado a citação do requerido, bem como a atualização do valor gasto com a publicidade.

 

Contestando nas f. 6.277/6.332, Antônio Dianese aduziu, preliminarmente, a ausência de audiência de conciliação; o cerceamento de defesa, ante o desentranhamento dos documentos formadores dos volumes 02 a 31. No mérito, ratificou os fundamentos da defesa prévia e somou aos argumentos de que como a propaganda é institucional inexiste enriquecimento ilícito; que inexiste lesão ao erário e o suposto dano se funda na ilegalidade da propaganda, independentemente de seu valor não ser excessivo e dos serviços terem sido prestados; que somente a propaganda que extrapola o art. 37, §1º da CR/88 deve ser punida; que o Boletim não menciona nomes, símbolos, fotografias (imagens) pessoais, que façam menção ao requerido; que o Boletim foi elaborado em colaboração por diversas pessoas que assinaram suas obras e inexistente qualquer prova de que seja elaborado pelo requerido ou mesmo de ele tenha autorizado sua circulação; que inexiste nexo causal entre as condutas do requerido e os fatos narrados; que é caso de afastar a responsabilidade objetiva, consoante jurisprudência do STJ; que inexiste prova da conduta dolosa do requerido; que os fatos são verdadeiros, razão pela qual não são capazes de esculhambar, ridicularizar a gestão passada; que a Lei de Improbidade Administrativa é aberta, assemelhando-se a norma penal em branco; que mister o conteúdo subjetivo do dolo para que incorra em improbidade, contudo, não agiu com desonestidade ou má-fé. Requer a improcedência dos pedidos iniciais.

 

Despacho saneador nas f. 6.352/6.353, com posterior manifestação do requerido nas f. 6.355/6.357 e do requerente nas f. 6.380.

 

É o relato dos fatos. Decido. decidir

 

Trata-se de Ação Civil Pública aviada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra Antônio Dianese, diante da autopromoção perpetrada na divulgação do Boletim Itamanduá.

  Ainda que as questões levantadas de forma antecedente ao mérito não sejam preliminares propriamente ditas, eis que distantes do rol taxativo expresso no art. 337, do CPC, tenho por bem analisá-las de forma inicial e o faço para rechaçá-las.

 

Quanto a ausência de realização de audiência de conciliação, tenho que a decisão de f. 6.271/6.272v é clara e encontra-se devidamente fundamentada. Ademais, não havendo recurso em face da presente decisão, a matéria encontra-se preclusa razão pela qual é merecedora de pouca tinta.

 

Sobrelevo que a inexistência de elementos a caracterizar a improbidade administrativa serão analisadas no mérito, razão pela qual inexistente discussão preliminar.

 

O pedido de indisponibilidade de bens é medida que intenta assegurar a futura recomposição ao erário, ainda que sem a expropriação, consoante determina o art. 7º, da Lei de Improbidade Administrativa e o art. 37, §4º, da Constituição.

 

Assim, exigir que a demonstração de efetiva dilapidação patrimonial para concessão da indisponibilidade de bens consistiria em tornar inócua a lei, pois é justamente este o objetivo almejado com o deferimento do pedido cautelar. Dessa maneira, o STJ entendeu ser presumido o periculum in mora nestes casos:

 

EMENTA: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI 8.429/1992. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA. JULGADO DA PRIMEIRA SEÇÃO/STJ. RESP 1.319.515/ES. APLICAÇÃO DA SÚMULA 168/STJ. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, de acordo com o disposto no art. 7º da Lei 8.429/1992, a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição Precedente: REsp 1319515/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 21/09/2012.

2. Incide, na hipótese, a Súmula 168 do STJ, segundo a qual “não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EREsp 1.315.092 RJ 2012/0147498-0. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. 1ª Seção. Julgado em 22/05/2013).

 

Ademais, apesar de a doutrina divergir quanto a natureza da ação, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, já sedimentou a matéria nos Informativos 477 e 482, originários da Rcl 4.927-DF, de relatoria do Min. Félix Fischer, e do REsp 1.238.466-SP, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, definindo o cabimento da ação civil pública para os casos de improbidade administrativa.

 

Esclareço que a tutela coletiva constitui meio diferenciado de proteção jurisdicional de determinados direitos materiais, noutros termos, a tutela coletiva não objetiva apenas a proteção dos direitos coletivos lato sensu, mas sim de todos aqueles aos quais o legislador lhes conferiu abrigo sob essa forma. Assim, imune de dúvidas de que o direito à defesa do patrimônio público é direito difuso, nos exatos termos do art. 81, parágrafo único, I, do CDC, tenho que cabível a ação civil pública in casu, por força do disposto no art. 1º, IV, da Lei 7.347/85. Por consequência lógica, conforme disciplinado no art. 5º, I, da Lei 7.347/85, o Parquet possui legitimidade para ajuizar a presente demanda, bem como pleitear a medida cautelar de indisponibilidade de bens.

 

Além disso, ainda que assim não fosse, forçoso ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio enobrece o princípio da irrelevância jurídica do nome da ação de forma que a definição da peça se dá com base única e exclusivamente na causa de pedir e no pedido, sendo irrelevante a rotulação posta pelo requerente.

 

Este também é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais em caso análogo, in verbis:


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - NATUREZA DE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - NOME DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA - INSTÂNCIA RECURSAL - JUNTADA DE DOCUMENTOS JÁ EXISTENTES - IMPOSSIBILIDADE - TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO - RECEBIMENTO DE PRÊMIO - IMPOSTO DE RENDA - DESCONTO A MAIOR - ÔNUS DA PROVA - PROCEDÊNCIA. 1. O nome ou título da ação utilizado pelo autor na inicial não condiciona a prestação jurisdicional, adstrita tão somente à causa de pedir e ao pedido. 2. Por não se constituírem como  novos, os documentos trazidos pela parte na instância recursal não merecem ser conhecidos, sob pena de supressão de instância. 3. O ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, I e II, do CPC/73). 4. Deve ser restituído ao autor o valor descontado a maior, a título de imposto de renda, no montante recebido como prêmio de título de capitalização, conforme comprovado nos autos e não desconstituído pelo réu. (Apelação Cível 1.0107.14.001907-9/001. Rel. Des. José Arthur Filho. Data de Julgamento: 28/02/2018. Data de Publicação da Súmula: 16/03/2018).

 

Volto os olhos sobre a última preambular levantada pelo requerido na contestação, consistente no cerceamento de defesa ante o desentranhamento dos documentos que formam os volumes 02 a 31 destes autos. Não merece razão as alegações do requerido, haja vista que a decisão de f. 6.271/6.272v é da mais basilar intelecção quando afirmar que os documentos não foram desentranhados dos autos, mas apenas e tão somente arquivados na Secretaria do Juízo em face da dificuldade manejo de autos tão volumosos.

 

Aliás, a decisão ainda ressaltou que tais volumes arquivados ficariam à disposição das partes interessadas, bem como estão em posse deste magistrado para julgamento, razão pela qual não podem configurar cerceamento de defesa.

 

Superadas as prefaciais lançadas, alcanço o mérito.

 

Primeiramente, esclareço que o requerido erige sua defesa baseando-se na declaração de que a publicidade é institucional, sem qualquer viés de autopromoção ou denegrimento de adversários políticos.

 

Como bem levantado pelo requerido a publicidade institucional encontra-se prevista no art. 37, §1º da Carta Política e possibilita a veiculação de informações inerentes à gestão administrativa do Estado, desde que latente o escopo informativo. O que não pode ocorrer, é exaltação indevida de qualidades de um dito governo, ainda que o suposto meio não faça expressa menção ao nome do governante.

 

No caso telado, resta claro que o requerido se vale do Boletim Informativo para enaltecer fatos efetivados não apenas em sua gestão 2013/2016, mas em todos os mandatos que exerceu, a exemplo dos trechos:

 

O Sistema Municipal de Educação em nada avançou, ao contrário, retrocedeu com a politização das Escolas, sendo o exemplo mais gritante a Escola de Educação Especial, que se transformou em instrumento para privilegiar alguns poucos prejudicando a maioria, acabou virando um “bureau” eleitoral e que se inviabilizou após as eleições com a suspensão das transferências de recursos financeiros à APAE por parte da Prefeitura, levando a entidade, criada pelo atual Prefeito, à falência. (Grifos no original)

 

Outro fato relevante, que causou estranheza e não pode ser esquecido, foi o fechamento do POSTO DE COMBUSTÍVEL da Prefeitura, montado no 2º mandato do atual Prefeito, após um longo processo para obtenção de licença ambiental, que proporcionava considerável economia nas despesas com combustível.

 

A atual Administração recebeu a Rádio Liberdade em situação bastante precária. O prédio da emissora estava com suas paredes e instalações degradadas, o telefone fixo não funcionava fazia tempo, o transmissor já estava bastante depreciado devido ao tempo de funcionamento, pois o mesmo foi adquirido no primeiro mandato do atual Prefeito em 1995. (Grifos no original)

 

Desta maneira, ainda que o requerido alegue a inexistência de qualquer logomarca da sua gestão à época ou outro meio que faça menção à sua pessoa ou ao ex-prefeito, é fácil a identificação de quem são atores do texto, quando mais mencionados pelas alcunhas de “atual gestor” e “gestão pretérita”. Qualquer pessoa por menor que seja seu nível intelectual, poderia aferir quem são, bastando um pequeno conhecimento de nível cultural sobre a cidadela.

 

Não há maneiras de inferir que o intuito do texto era apenas expressar a publicidade dos atos públicos ou mesmo cumprir com o direito de informação da população, pois inexiste razões para o requerido rememorar fatos erigidos apenas em seus mandatos. Afinal, o requerido não reviveu sequer um feito de outra gestão que não fosse sua e do ex-prefeito, o que explicita que o verdadeiro escopo era, sem sombra de dúvidas, a autopromoção e o ataque ao ex-prefeito .

 

Ademais, ainda que alguns poucos textos sejam de autoria de terceiros, todos intentam o mesmo fim, qual seja, a promoção indevida do requerido. Seria surreal imaginar que o referido Boletim fora criado, publicado e distribuído, às expensas do erário, sem o menor conhecimento ou autorização do requerido.

 

Ora, a dotação orçamentária do Município é aberta pelo Chefe do Executivo Municipal e não poderia passar em branco nenhum valor, ainda que inexpressivo em relação a totalidade de recursos recebidos na atual gestão, como é o caso do montante gasto com publicidade.

 

Desta maneira, coloco uma pá de cal sobre os argumentos do requerido de que não permitiria que sua equipe realizasse sua autopromoção, bem como que tenha utilizado de termos genéricos para não denegrir terceiros.

 

Além disto, mesmo que os textos sem autoria não possam ser imputados ao réu, Antônio Dianese aproveitou-se da situação causada pela alegada omissão para angariar votos, pois o Boletim fora distribuído no começo do ano eleitoral, ou seja, valeu-se da publicidade custeada pelo ente público para alavancar sua condição frente a população itapecericana em conduta frontalmente espúria e imoral.

Some-se que a Lei Federal nº8.429/92 também pune as condutas omissivas dos agentes públicos, como bem expresso no art. 9º, caput. Destarte, não há maneiras de safar o requerido sob o fundamento de ausência de nexo de causalidade, pois suas condutas foram decisivas no desastre ao erário.

 

No mesmo sentido, não é porque os fatos narrados no Boletim Informativo são supostamente verdadeiros que a autopromoção restaria descaracterizada ou mesmo a ofensa aos princípios da legalidade, moralidade e publicidade.

 

O requerido se valeu de publicidade custeada pela Municipalidade para se autopromover, ofendendo o interesse público que encontra-se previsto em lei. E mais, de forma meticulosa imprimiu o Boletim em dezembro e só o distribui no começo do próximo ano, que era eleitoral, quando os demais candidatos sequer poderiam efetuar propagandas fora dos ditames determinados pelo TSE.

 

Ou seja, caracterizado está a ofensa a todo o rol de princípios expressos no art. 37, caput, da Constituição, notadamente o da legalidade, da publicidade e da moralidade.

 

Para que o ato de improbidade possa ocasionar a aplicação das sanções previstas no art.12 da Lei nº8.429/92, mister que estejam claramente demonstrados o sujeito passivo, o sujeito ativo, o evento danoso e o dolo ou culpa.

 

In casu, estando caracterizados o sujeito ativo e o passivo, necessário a demonstração de que o ato danoso atenta contra os princípios da Administração Pública e causa enriquecimento ilícito.

Passo à análise das provas do enriquecimento ilícito e da ofensa principiológica.

 

Pode-se dizer que o ordenamento pátrio se pauta na proibição do enriquecimento ilícito, de forma que as vantagens auferidas pelos agentes públicos deverão possuir previsão legal, sob pena de serem tomadas como ilegais e criminosas.

 

Neste mesmo sentido, a doutrina divide as vantagens indevidas em positivas e negativas, ou seja, a primeira corresponde ao acréscimo patrimonial do agente público e a segunda equivale à detenção de que seu patrimônio seja diminuído. Este é o magistério de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves in Improbidade Administrativa. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008:

 

Consideram-se positivas aquelas prestações que ensejam um acréscimo ao patrimônio do agente, possibilitando o somatório de novos bens ou valores àqueles preexistentes à prática ilícita. Este acréscimo patrimonial pode ser encoberto mediante simulação, o que era objeto de previsão específica nas alíneas d e e do art. 2º, da Lei nº 3.502/1958.

 

E continuam:

 

São prestações negativas aquelas que evitam uma diminuição dos bens ou valores existentes no patrimônio do agente, fazendo que determinados ônus, preexistentes ao ilícito, ou não, seja assumido por terceiro.

 

Desta forma, compulsando detidamente os autos, fácil é a comprovação de que o requerido fez uso do dinheiro público para efetivar sua publicidade, distribuída em ano eleitoral  e com o fim de denegrir a imagem da gestão passada, em clara ofensa aos ditames do art. 9º, caput e inciso XII, da Lei nº 8.429/92:

 

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.


Como a finalidade do ato encontra-se desvinculada do interesse público, desnecessária a discussão se a propaganda fora efetivamente prestada ou mesmo se o valor cobrado não extrapola o valor médio de mercado.

 

Por fim, o nexo de causalidade consiste na determinação de quais condutas do agente foram capazes de causar os resultados narrados. No caso telado, há inúmeros textos sem autoria que somados aos informativos expedidos pelos funcionários da Prefeitura foram publicados no Boletim Itamanduá e que passaram, de forma omissa, pelo requerido tanto na edição e publicação, quanto no custeio.

 

Fato é que o O Itamanduá beneficiou o requerido de forma direta e, sendo do Chefe do Executivo o dever de cuidado não pode ser esquecido, quanto mais frente a ações tão espúrias e imorais.

 

Por estar desvinculada do ideário do interesse público, tenho que a propaganda era desnecessária e o valor gasto com ela pode ser tomado como o malefício causado aos cofres públicos. Neste sentido, os prejuízos demonstrados alcançavam, à época, a monta de R$38.176,00 (trinta e oito mil, cento e setenta e seis reais).

 

Quanto ao dolo, é incontroverso que o requerido praticou os atos a ele imputado, se valendo do dinheiro público para se auto promover. No mesmo rumo, a conduta perquirida não comporta natureza culposa.

 

Ainda que me filie a ideia de que o artigo 10, IX, da Lei de Improbidade tenha que ser aplicado a toda e qualquer lesão ao patrimônio público, sem distinção dos vocábulos erário e patrimônio público, no caso em comento, restou comprovada a lesão ao ente público mencionado no art. 1º da LIA, o dolo do agente que se valeu da publicidade custeada pelo ente público e o nexo de causalidade entre a ação e o resultado, de forma que mais uma vez, exitosa as alegações formuladas pelo Parquet na exordial.

 

Ademais, o rol expresso nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade é meramente exemplificativo, de forma que a lesividade das condutas positivadas é presumida.

 

Por consequência lógica, a publicação do Boletim Informativo O Itamanduá, de dezembro de 2015, infringe os princípios da administração pública, expressos no art. 37, caput e §1º, da Constituição e no art. 11, I, da LIA, respectivamente:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.


Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;



Por todo o acervo probatório, constata-se que o réu, por meio de suas condutas, obteve vantagem ilícita ao efetivar sua promoção às expensas de valores pertencentes aos administrados, causando  prejuízo ao erário e atentando contra os princípios da Administração Pública, em especial o da honestidade e da moralidade (art. 11).

 

O STJ, ao diferenciar irregularidade de improbidade administrativa, faz verdadeiro juízo de proporcionalidade para sinalizar, em cada caso concreto, pela aplicabilidade ou não das sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa. A título de exemplo, o seguinte julgado:



PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO ENTRE JUÍZO DE IMPROBIDADE DA CONDUTA E JUÍZO DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra o Chefe de Gabinete do Município de Vacaria/RS, por ter utilizado veículo de propriedade municipal e força de trabalho de três membros da Guarda Municipal para transportar utensílios e bens particulares. 2. Não se deve trivializar a Lei da Improbidade Administrativa, seja porque a severidade das punições nela previstas recomenda cautela e equilíbrio na sua aplicação, seja porque os remédios jurídicos para as desconformidades entre o ideal e o real da Administração brasileira não se resumem às sanções impostas ao administrador, tanto mais quando nosso ordenamento atribui ao juiz, pela ferramenta da Ação Civil Pública, amplos e genéricos poderes de editar provimentos mandamentais de regularização do funcionamento das atividades do Estado. 3. A implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= premissa maior) e o juízo de dosimetria da sanção  (= premissa menor). 4. Para que o defeito de uma conduta seja considerado mera irregularidade administrativa, exige-se valoração nos planos quantitativo e qualitativo, com atenção especial para os bens jurídicos tutelados pela Constituição, pela Lei da Improbidade Administrativa, pela Lei das Licitações, pela Lei da Responsabilidade Fiscal e por outras normas aplicáveis à espécie. Trata-se de exame que deve ser minucioso, sob pena de transmudar-se a irregularidade administrativa banal ou trivial, noção que legitimamente suaviza a severidade da Lei da Improbidade Administrativa, em senha para a impunidade, business as usual. 5. Nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por ‘insignificância’ se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos – evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas. 6. Iniquidade é tanto punir como improbidade, quando desnecessário (por atipicidade, p. ex.) ou além do necessário (= iniquidade individual), como absolver comportamento social e legalmente reprovado (= iniquidade coletiva), incompatível com o marco constitucional e a legislação que consagram e garantem os princípios estruturantes da boa administração. 7. O juiz, na medida da reprimenda (= juízo de dosimetria da sanção), deve levar em conta a gravidade, ou não, da conduta do agente, sob o manto dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que têm necessária e ampla incidência no campo da Lei da Improbidade Administrativa. 8. Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente. 9. A conduta ímproba não é  apenas aquela que causa dano financeiro ao erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos. (...). (REsp 769317/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 27.03.2006). Ora, se é assim no campo penal, com maior razão no universo da Lei de Improbidade Administrativa, que tem caráter civil. 12. Recurso Especial provido, somente para restabelecer a multa civil de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), afastadas as sanções de suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, pretendidas originalmente pelo Ministério Público. (REsp 892.818/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11.11.2008, DJe 10.02.2010)” (negritos acrescidos).

 

Para a fixação das penalidades, o julgador deverá observar os princípios da proporcionalidade e equidade, considerando, ainda, a extensão do dano, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, conforme determina o artigo 12, parágrafo único, da Lei Federal 8.429/92.

 

O artigo 12 da Lei estabelece as penas a serem aplicadas para a prática dos atos de improbidade administrativa. Para cada tipo de conduta ímproba, há a delimitação de certas sanções.

 

Ressalta-se, conforme já mencionado, que a aplicação de penalidades decorrentes da Lei 8.429/92 independe das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

 

Conforme demonstrado, o requerido efetivamente praticou as condutas previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Para que a condenação pelo ato ímprobo não constitua bis in idem, constatada a prática de atos que violem mais de um dos tipos descritos pela lei 8.429/92, o agente público será condenado nas sanções aplicáveis à conduta mais grave, de acordo com a gradação existente no artigo 12. Dessa forma, enquadrando-se a conduta do requerido nos tipos dos artigos 9º, 10 e  11, estará ele sujeito apenas às sanções estabelecidas no artigo 12, I, posto que mais severas.

 

Nesse sentido, o TJMG:

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - ATO DE IMPROBIDADE PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL - PROMOÇÃO PESSOAL - DANO AO ERÁRIO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO - SANÇÕES - ÚNICA CONDUTA - SUBSSUNÇÃO A MAIS DE UM TIPO - APLICAÇÃO DO CONJUNTO DE PENALIDADES RELATIVAS AO ATO MAIS GRAVE - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA
Não há cerceamento de defesa se o Juiz, destinatário final das provas, em sua liberdade de apreciação, indefere diligência inútil ou meramente protelatória, não ocorrendo qualquer violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Considera-se ato de improbidade administrativa que fere os princípios da administração e causa dano ao erário a determinação pelo Prefeito Municipal de inscrição de slogan de exaltação pessoal nos veículos de propriedade do Município, utilizando-se de dinheiro público para tanto.
Se a conduta do agente, a um só tempo, se subsumir a mais de um tipo previsto na Lei de improbidade Administrativa (arts. 9º, 10 ou 11), aplica-se apenas o rol de sanções previsto para a conduta mais severa (art. 12, incisos I, II ou III), sob pena de bis in idem, respeitadas as peculiaridades de cada caso.
(TJMG - Apelação Cível 1.0508.06.002434-8/001, Relator(a): Des.(a) Armando Freire , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/06/2012, publicação da súmula em 29/06/2012).

 

No caso em tela, o dano ao patrimônio público restou plenamente comprovado, razão pela qual o requerido deverá ser condenado ao ressarcimento integral do dano.

 

À vista do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, confirmando a liminar deferida, e condenando o requerido Antônio Dianese como incursos nas práticas das  condutas ímprobas previstas nos arts. 9º, caput e inciso XII; 10, caput e inciso IX e art. 11, caput e I da Lei 8.429/92, aplicando-lhe as penalidades previstas no art. 12, I, da Lei de Improbidade Administrativa, com o ressarcimento aos cofres públicos das vantagens auferidas, conforme assentado na fundamentação e devidamente apurados nos autos, atualizados, a partir de citação, pela tabela da corregedoria geral de justiça; suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos; proibição de contratar com o poder público e impedimento de receber benefícios fiscais ou creditícios direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 08 (oito) anos.

Ressalto que a aplicação das penas em vultuosa monta se justifica pela gravidade da conduta perpetrada pelo requerido, que se enquadra nos três tipos previstos na Lei de Improbidade Administrativa. Como já destacado, a jurisprudência do TJMG é no sentido de que, subsumindo-se a conduta nos três artigos da Lei 8.429/92 (9º, 10 e 11), a pena aplicável será apenas a prevista para a conduta mais grave, qual seja, o enriquecimento ilícito previsto no artigo 9º, a fim de evitar o bis in idem, mas se os atos praticados pelo agente público se enquadrarem nos demais artigos da lei, tal situação será levada em consideração para fins de fixação dos prazos e das penas.

 

Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais.

 

Interposto recurso em face da presente decisão, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões no prazo legal, com posterior remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

   Publique-se. Registre-se. Intimem-se.



Itapecerica, 19 de setembro de 2018.

 

Altair Resende de Alvarenga

Juiz de Direito