Autores: Flávio Luiz Rodrigues
Mônica do Carmo Rodrigues
Paula Cristina da Silva Rodrigues
Réu: Transportes Sandra Ltda.
Natureza: Acidente de Trânsito
Processo nº: 0024.10.290.631-0
Sentença
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Indenização movida por FLÁVIO LUIZ RODRIGUES, MÔNICA DO CARMO RODRIGUES e PAULA CRISTINA DA SILVA RODRIGUES contra TRANSPORTES SANDRA LTDA., todos devidamente qualificados na peça de introito. Narram os autores que, no dia 12 de novembro de 2008, seu irmão deslocava-se em ônibus urbano de propriedade da requerida, quando o veículo colidiu com outro automóvel, causando-lhe lesões que resultaram em seu óbito. Perfazem outras considerações e pugnam pela condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais em importe não inferior a 100 (cem) salários mínimos. Juntaram documentos às fls.07/31.
Realizada audiência, não foi possível a obtenção de acordo entre as partes (f.35).
Ato contínuo, a ré apresentou contestação (fls.36/50), requerendo a denunciação da lide à Generali do Brasil – Cia Nacional de Seguros. No mérito, referiu que a culpa pelo evento danoso não pode ser imputada à parte requerida, uma vez que o acidente se deu em razão de outro veículo, conforme referido pelo autor. Concluiu que houve fato de terceiro apto a afastar a responsabilidade da transportadora. Alegou a ausência de nexo causal entre a lesão apresentada e o sinistro. Rechaçou os pedidos indenizatórios. Por fim, postulou o deferimento da denunciação da lide e a improcedência dos pedidos com a condenação dos autores aos ônus sucumbenciais. Juntou documentos às fls. 51/94.
A réplica foi apresentada em audiência, oportunidade em que os autores rechaçaram as alegações tecidas da peça de defesa.
À f.98 foi deferido o pedido de denunciação da lide à seguradora da parte ré.
A denunciada Generali Brasil Seguros S/A. apresentou contestação, alegando que o acidente ocorreu por caso fortuito decorrente de ato de terceiro, no caso, o motorista do veículo causador do acidente. Discorreu sobre o seguro contratado e sua abrangência. Pleiteou a compensação dos valores do DPVAT e impugnou os danos morais alegados. Perfaz outras considerações e pugna pela improcedência dos pedidos da lide originária. Juntou documentos às fls.134/158.
Foi realizada a inquirição de 02 (duas) testemunhas mediante carta precatória, cujo termo de audiência encontra-se acostado às fls.185/187.
Encerrada a instrução e aberto prazo para oferecimento de memoriais, as partes se manifestaram às fls.213/221, reiterando os pedidos formulados na peça inaugural e em sede de contestação.
Nesta data vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
DECIDO.
Buscam os autores o recebimento de indenização por danos morais em decorrência de acidente de trânsito supostamente causado por veículo de propriedade da ré.
Inicialmente, é oportuno fixar que, tratando-se de empresa prestadora de serviços de transporte, a responsabilidade desta é aferida objetivamente pelos danos que causar a seus passageiros. Assim, não há que se perquirir acerca da conduta culposa perpetrada pelo causador do dano, bastando a demonstração da conduta, do dano e do nexo causal.
Isso porque, na hipótese incide a regra do artigo 734 do Código Civil, que dispõe que “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.
Outrossim, a responsabilidade objetiva do transportador, muito antes do advento do Código Civil de 2002, encontra-se prevista no Código do Consumidor, que dispõe em seu artigo 14, in verbis:
Art.14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços.
A respeito do tema, vale conferir precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRANSITO. EMPRESA TRANSPORTADORA, PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. DANOS ESTÉTICOS. INOCORRÊNCIA. QUANTUM. REDUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 20 E 21 DO CPC. (...) 3. Cuida-se, na hipótese, de passageiro de ônibus, havendo portanto responsabilidade objetiva e contratual da empresa de transportes. A orientação desta Corte é no sentido de que em tal circunstância os juros moratórios correm a partir da citação. Inaplicável, in casu, a Súmula 54/STJ, por não se tratar de responsabilidade extracontratual. (Precedentes: REsp. 327.382/RJ; REsp. 131.376/RJ; REsp. 247.266/SP)" - REsp 726.939/RJ, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ 01/07/2005.
Soma-se a isso, o fato de que a responsabilidade dos entes de direito público participantes da administração direta ou indireta, em que se incluem as empresas privadas concessionárias de serviços públicos, é inegavelmente objetiva, porquanto fundada na teoria do risco administrativo previsto no art. 37, § 6º da CF/88.
Como acima registrado, tratando-se de responsabilidade objetiva, a identificação do dever indenizatório prescinde da aferição de culpa na ação ou omissão decorrente da prestação do serviço público pela concessionária ou por seus agentes. Basta que o lesado comprove a relação entre o dano à atividade desenvolvida pela pessoa jurídica de direito privado por força da concessão emanada do poder público.
No presente caso, é incontroverso a ocorrência do acidente, tendo a ré alegado em sua defesa que sua responsabilidade está excluída em razão da ocorrência de fato de terceiro. Segundo a ré Transporte Sandra Ltda., o acidente foi causado por um outro veículo que invadiu a contramão, vindo a colidir com o de sua propriedade.
É verdade que todo o conjunto probatório aponta para a verossimilhança da tese da ré Transporte Sandra Ltda. Inclusive, os autores não impugnam tal alegação. Contudo, qualquer discussão acerca da dinâmica do acidente de trânsito ou da definição da culpa para sua ocorrência é inócua no âmbito desta ação que, como ressaltado, está fundada no contrato de transporte, regulada pelos arts. 734 e 735 do CC, os quais não preveem a culpa exclusiva de terceiro como hipótese de exclusão da responsabilidade do transportador.
Ainda que o acidente tenha ocorrido por culpa de terceiro, tal alegação não afasta a responsabilidade da ré, diante dos termos da Súmula n. 187 do STF:
A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Ademais, o fato de terceiro só rompe o nexo causal quando é causa exclusiva do evento e só terá a força de excludente se for equivalente a um fortuito, imprevisível e inevitável, o que não é o caso dos autos.
Os acidentes de trânsito, ainda que provocados por terceiros, são fatos previsíveis e representam um risco que o condutor do veículo assume ao dirigir.
Tal entendimento não destoa daquele exarado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE ÔNIBUS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DESCONTO DO VALOR RELATIVO AO DPVAT - DANOS MORAIS E MATERIAIS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - PENSIONAMENTO.
- o dano restou devidamente comprovado em decorrência do acidente ocorrido, devendo, a transportadora, na qualidade de prestadora de serviço público, responder pelos danos causados em acidente automobilístico, nos moldes descritos no art. 37, § 6º da Constituição da República.
- Tratando-se de responsabilidade objetiva não há que se aferir culpa, bastando a relação causal entre a atividade e o dano, podendo, entretanto, comprovada que a culpa se deu por fato de terceiro, acionar o real causador do dano em ação regressiva.
- Na fixação do dano moral, o juiz deve levar em conta não só as características da vítima, como também as do réu e a extensão do dano, a fim de que o quantum indenizatório cumpra a sua função de inibir futuros excessos, não culminando em enriquecimento sem causa do autor.
- a autora faz jus à pensão mensal vitalícia, porquanto a sequela resultante do acidente implicou em redução de sua capacidade laborativa, ocorrendo depreciação para o exercício de qualquer profissão.(TJMG - Apelação Cível 1.0245.07.124395-1/001 – Data do Julgamento: 05/10/2010 - Relator(a): Des.(a) Tarcisio Martins Costa)
Assim, não há falar em excludente de responsabilidade por culpa de terceiro, cabendo à ré Transporte Sandra Ltda., se for o caso, apenas o direito de regresso em face do proprietário e/ou motorista do veículo apontado como causador do sinistro, nos exatos termos do art. 735 do CC.
Quanto ao dano moral, não há dúvida de que a perda brusca do irmão dos autores no acidente em questão causou a eles dor, sofrimento, transtorno e angústia exacerbados, pois tiveram ceifado da sua convivência diária ente extremamente próximo.
Por esta razão, os autores fazem jus à indenização por danos morais, independentemente da prova de sua existência, por se tratar de dano moral puro (in re ipsa).
No tocante ao valor arbitrado a título de indenização por danos morais, há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, a capacidade econômica do ofensor, a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito.
De outro lado, deve o Juiz utilizar-se de parâmetros previstos em leis e jurisprudência, valendo-se ainda da experiência e exame de todas as circunstâncias fáticas para a fixação da respectiva indenização, de sorte a reparar o dano mais amplamente possível.
Nesse sentido, Cavalieri Filho discorre sobre este tema com rara acuidade jurídica, afirmando que:
Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.(CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2007, p.90. )
No caso em exame, levando-se em consideração as questões fáticas precitadas, a extensão do prejuízo bem como a quantificação da conduta ilícita, entendo que o valor de R$40.000,00(quarenta mil reais) para cada um dos autores se mostra adequado às peculiaridades do caso concreto.
Ressalte-se que, não obstante os autores tenham pleiteado indenização em salários mínimos, a verba indenizatória deve ser fixada em valor monetário nominal e não em salários mínimos, mormente ante as eventuais dificuldades que possam surgir na fase de execução.
No que tange ao seguro DPVAT, restou comprovado nos autos que os autores não receberam nenhum pagamento a tal título, razão porque não há falar em abatimento da indenização.
Por fim, quanto à denunciação da lide à seguradora, tenho pela procedência do pedido, porquanto a apólice acostada aos autos comprova que na data do acidente o veículo da ré estava coberto pelo seguro da denunciada, o que, aliás, foi admitido pela mesma. Assim, a litisdenunciada deve ressarcir as despesas que a demandada vier a ter, observados, contudo, os limites da apólice contratada.
No que tange à responsabilidade solidária da seguradora denunciada à lide, é possível sua instituição, porquanto em perfeita sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, antes firmado pela sistemática dos recursos repetitivos e recentemente sumulado:
Súmula 537: Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
No caso, a seguradora aceitou a denunciação à lide e contestou o pedido dos autores, tornando, assim, plenamente possível a sua condenação solidária ao réu.
Ex positis, com supedâneo no art. 269, inciso I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para condenar as rés, solidariamente, a pagarem para cada um dos autores o valor de R$40.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização por danos morais, com correção monetária pelos índices da Tabela da Corregedoria de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês a partir da data de publicação desta decisão. Consigno, porém, que a responsabilidade da seguradora limita-se ao valor da apólice contratada.
Outrossim, JULGO PROCEDENTE a denunciação da lide, a fim de condenar a denunciada GENERALI BRASIL SEGUROS S/A a reembolsar à denunciante o valor por ela despendido em virtude da condenação acima, observados os limites da contratualidade e o disposto nos fundamentos da sentença.
Tendo em vista que os autores decaíram de parte mínima do pedido (art. 21, parágrafo único, do CPC e Súmula 326 do STJ), condeno apenas a ré Transportes Sandra Ltda. ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação.
Na denunciação, considerando que não houve resistência, descabe a responsabilização da denunciada pelas despesas processuais e honorários advocatícios.
Nada mais.
Após o trânsito em julgado da presente decisão e não havendo custas pendentes de recolhimento, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.
P.R.I.
Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2016.
EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA RAMIRO
Juiz de Direito