9ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE

AUTOS Nº: 6817960-07.2009.8.13.0024

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉUS: RENATO CAPORALI CORDEIRO

LAURO WILSON DE LIMA FILHO

 

 

 

SENTENÇA

 

 

Vistos etc.

 

1 - Relatório

 

O Ministério Público Federal formulou denúncia em face de Lauro Wilson de Lima Filho, brasileiro, separado judicialmente, administrador de empresas e contador, nascido em 04/05/1947, natural de Belo Horizonte/MG, filho de Lauro Wilson de Lima e Maria de Lourdes da Silva Lima, residente na Rua Magnólia, nº 891, Bairro Caiçaras, Belo Horizonte/MG, e Renato Caporali Cordeiro, brasileiro, casado, economista, nascido em 27/12/1956, natural de Belo Horizonte, filho de Talma Franco Cordeiro e Nilda Caporali Cordeiro, residente na SQS 203, Bloco H, apto 203, Brasília/DF, como incursos nas sanções do delito descrito no art. 312 c/c o art. 327, §2º, ambos do Código Penal.

 

Na mesma peça exordial foram denunciados Eduardo Brandão de Azeredo, Walfrido dos Mares Guia Neto, Cláudio Mourão da Silveira, Clésio Soares de Andrade, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Eduardo Pereira Guedes Neto, Fernando Moreira Soares, José Afonso Bicalho Beltrão da Silva, Jair Alonso de Oliveira, Sylvio Romero Perez de Carvalho e Eduardo Pimenta Mundim pela prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, cujos desmembramentos foram determinados posteriormente, conforme será detalhado no relatório.

 

Inicialmente impende registrar que o teor desta decisão, com o corte resultante das decisões de desmembramento, priorizou os atos processuais relativos aos acusados e a análise do crime que lhes foi imputado.

 

Consta na denúncia, em síntese, que, a partir das investigações realizadas no Inquérito 2245, restou verificado que o modus operandi dos crimes ali apurados teve sua origem no período da campanha para Governador do Estado de Minas Gerais no ano de 1998.

 

No início do ano de 1996, a empresa SMP&B Publicidade, cujo comando era dos denunciados Cristiano Paz e Ramon Hollerback, enfrentava dificuldade financeira, motivo pelo qual eles incumbiram o denunciado Marcos Valério atrair novo sócio que possibilitasse à retomada do crescimento dos negócios.

 

Entabuladas as negociações, referidos denunciados e o corréu Clésio Andrade fundaram a SMP&B Comunicação, empresa livre de dívidas, que, no ano de 1998, seria responsável pelo esquema de financiamento criminoso da campanha eleitoral da reeleição de Eduardo Azeredo e do próprio Clésio Andrade, que figurou na coligação como candidato a vice-governador.

 

Consta, ainda, que couberam aos denunciados Eduardo Azeredo, Walfrido dos Mares Guia, Cláudio Mourão e Clésio Andrade, então integrantes da cúpula do Estado de Minas Gerais e da campanha, a decisão de implantar o esquema criminoso que consistia na captação de recursos pela SMP&B Comunicação.

 

O sistema consistiu na celebração de contratos de mútuo (nºs 96.001136-3, 96.001137-1) pela referida empresa com o Banco Rural, cujo pagamento seria feito com recursos captados das empresas COPASA, COMIG e GRUPO FINANCEIRO BANCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – BEMGE. Posteriormente, os valores emprestados foram sacados e destinados à campanha e para remunerar os responsáveis pela operação.

 

Eduardo Brandão de Azeredo, Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto e Cláudio Roberto Mourão da Silveira, orientados por Clésio Soares de Andrade, Marcos Valério, Cristiando de Mello Paz e Ramon Hollerback Cardoso, decidiram que o repasse de dinheiro público deveria ocorrer por meio do evento esportivo Enduro Internacional da Independência, no qual a empresa SMP&B Publicidade Ltda tinha o direito de exploração exclusiva.

 

Desta forma, mencionadas empresas estatais repassaram recursos para a SMP&B Publicidade Ltda na forma de patrocínio. A COPASA e a COMIG transferiram R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) cada uma. Para justificar tal montante (R$3.000.000,00 - três milhões de reais) foram incluídos outros dois eventos: Iron Biker – O Desafio das Montanhas - e o Campeonato Mundial de Supercross.

 

O Grupo BEMGE - Bemge S/A Administradora Geral, Financeira Bemge S/A, Bemge Administradora de Cartões de Crédito Ltda, Bemge Seguradora S/A e Bemge Distribuidora de Valores Mobiliários S/A, repassou à mencionada empresa de publicidade, a título de patrocínio do evento Iron Biker - O Desafio das Montanhas -, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

 

Sustenta o Parquet que todos os denunciados tinham consciência de que a captação de recursos para a disputa eleitoral teria o formato acima descrito e que o esquema não lograria êxito sem a participação dos integrantes da cúpula do Estado de Minas Gerais e da campanha de reeleição, sustentando, ainda, que tais denunciados deram as diretrizes para a atuação de Eduardo Pereira Guedes Neto, Ruy Lage, Fernando Moreira Soares, José Cláudio (falecido), Lauro Wilson de Lima Filho, Renato Caporali Cordeiro, José Afonso Bicalho Beltrão da Silva, Sylvio Romero Perez de Carvalho, Eduardo Pimenta Mundim e Jair Alonso de Oliveira e Maurício Horta no sentido de entregar o total de R$3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) ao grupo formado por Clésio Soares de Andrade, Marcos Valério Fernandes de Souza, Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerback Cardoso.

 

Descreve o esquema da seguinte forma: o então Secretário Adjunto da Casa Civil e Comunicação Social, o denunciado Eduardo Guedes, expediu ordem determinado à COPASA que adquirisse cota principal do evento Enduro Internacional da Independência, repassando o montante de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) à SMP&B Comunicação, o que foi acatado pelo presidente, Ruy Lage, e o diretor financeiro, Fernando Moreira, conquanto não tenha sido realizado qualquer estudo técnico sobre sua viabilidade ou custo-benefício. Posteriormente, de forma ardilosa, o patrocínio foi ampliado para mais dois eventos: Iron Biker – O Desafio das Montanhas - e o Campeonato Mundial de Supercross.

 

No mesmo dia do ofício do Eduardo Guedes foi emitida nota fiscal pela SMP&B Publicidade pelo suposto patrocínio e também no mesmo dia esta empresa celebrou novo contrato de mútuo com o Banco Rural, no valor de R$2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), destinados ao pagamento do primeiro empréstimo, sendo que a cota de patrocínio da COPASA foi utilizada como garantia do negócio.

 

Salienta que, embora a empresa SMP&B Publicidade possuía o direito exclusivo sobre o evento, a real beneficiária do valor repassado pela COPASA foi a SMP&B Comunicação, não vindo esta a prestar contas dos valores recebidos daquela.

 

Prossegue afirmando que Eduardo Guedes, em nova ação, determinou à COMIG que também patrocinasse o evento Enduro Internacional da Independência, adquirindo cota principal, repassando a quantia de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) à SMP&B Comunicação, o que foi acolhido pelos diretores José Cláudio, Lauro Wilson e Renato Caporali, cumprindo ordem manifestamente ilegal, sem qualquer avaliação técnica do retorno de tal patrocínio. Posteriormente, de forma ardilosa, o patrocínio foi ampliado para mais dois eventos: Iron Biker – O Desafio das Montanhas - e o Campeonato Mundial de Supercross.

 

No mesmo dia do ofício assinado por Eduardo Guedes, a empresa SMP&B Publicidade emitiu nota fiscal, tamanha a certeza do acatamento da ordem vinda do secretário e sequer prestou contas à COMIG do destino do dinheiro repassado.

 

Parte do dinheiro era sacado em espécie e o restante embaralhado com recursos oriundos de atividades lícitas com o objetivo de ocultar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade dos valores ilícitos, caracterizando o crime de lavagem de dinheiro.

 

Quanto ao Grupo Financeiro BEMGE, destaca que o repasse à SMP&B Publicidade foi de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), feito no dia 01/09/1998, a título de financiamento do evento Iron Biker – o desafio das montanhas - porém, seus dirigentes sequer se lembravam dele e inexistia documentos justificando as operações, tampouco foi prestado contas e feita divulgação da marca BEMGE nos principais itens de divulgação do citado evento.

 

Afirma que tal quantia se destinou à campanha de reeleição do acusado Eduardo Azeredo.

 

Capitulou os crimes que cada um cometeu, pugnando pela condenação, e arrolou 26 testemunhas.

 

Denúncia oferecida no dia 20 de novembro de 2007 (f. 5925/5930 – vol. 27).

 

Em despacho (f. 6.862 – vol. 33), ordenou-se a notificação dos acusados, para oferecimento de resposta, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 4º, caput, da Lei 8.038/90.

 

Regularmente notificado (f. 6922 e v – vol. 33), o denunciado Renato Caporali apresentou defesa preliminar, às f. 7602/7633 – vol. 37, argumentando, em resumo, ter agido em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal, inexistindo, portando, crime. Aponta não haver justa causa para a ação penal porquanto ausente um lastro probatório mínimo a justificar a alteração do status dignitatis do notificado. Informa que a ordem recebida de Eduardo Guedes foi de caráter emergencial, o que é próprio da natureza empresarial, e, por isto, atendida prontamente, pois somente lhe cabia confiar no Estado de Minas Gerais, proprietário da empresa, e autorizar o pagamento. Articula que a COMIG sempre despendeu milhões de reais em cumprimento a ordens do governo em diversas situações como obras viárias, hoteleiras, empreendimentos turísticos, apoio a eventos esportivos, apoio a eventos executivos etc. Neste sentido, o desembolso da quantia de R$1.500.000,00 não era anômalo. Assinala que o Ministério Público Federal teve conhecimento de tais repasses, ainda no ano de 1988, e não vislumbrou nenhuma ordem ilegal, tanto que não ajuizou a ação penal. Pondera que a inicial não descreve em que consistiu a ilegalidade da ordem cumprida pelo notificante e que ele não tinha o dever de verificar notas fiscais ou prestação de contas, pois não era sua atribuição. Requereu a rejeição da denúncia ou, alternativamente, o reconhecimento que a conduta do acusado se amolda ao descrito no art. 312, §2º, do Código Penal, reconhecendo-se extinta a punibilidade pela prescrição.

 

Regularmente notificado (f. 8594 e v – vol. 41), o denunciado Lauro Wilson apresentou defesa preliminar (f. 8600/8611 – vol 41) requerendo, em preliminar, o reconhecimento da falta de interesse de agir ministerial em razão de superveniente prescrição da eventual pena a ser aplicada, em caso de condenação, considerando a data dos fatos e a inexistência de causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. No mérito, argumenta que a ordem dada pelo Estado de Minas Gerais para patrocinar os eventos não era manifestamente ilegal, pois o Estado vinha patrocinando tal evento há doze anos. O denunciado e demais diretores encaminharam a proposta ao Conselho de Administração e Assembleia Geral da empresa que ratificaram o pedido do Estado. Requereu o acolhimento da preliminar e, caso ultrapassada, a rejeição da denúncia.

 

O E. Relator (f. 8626 – vol. 41) determinou a intimação do Procurador-Geral da República para que se manifestasse, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre documentos novos juntados com as respostas oferecidas, nos termos do art. 5º da Lei 8.038/90.

 

O Procurador-Geral da República (f. 8.629/8.640 - vol 41) tece considerações sobre os requisitos para o recebimento da denúncia, salientando que, no caso, a inicial acusatória descreve, de forma detalhada, todos os fatos imputados, atendendo às exigências do art. 41 do Código de Processo Penal. Aponta que os fatos descritos encontram lastro no acervo probatório angariado no trabalho de investigação. Rechaçou a prescrição pela pena em perspectiva afirmando não ser admitida pelo Supremo Tribunal Federal. No mérito, aponta que há justa causa para a ação penal aforada porquanto o grande número de documentos, análises técnicas e depoimentos dão suporte à mesma. No mais, refuta as defesas apresentadas pelos outros acusados, de forma específica (não sendo o caso de reproduzir nestes autos em razão do desmembramento) e requereu diligência.

 

Despacho deferindo o requerimento do Procurador-Geral da República, de expedição de ofício ao Banco Itaú S/A para envio da documentação relativa ao patrocínio do Grupo Financeiro BEMGE ao evento Iron Biker – O Desafio das Montanhas- às f. 8646/8648 – vol. 41).

 

Expedido o ofício, f 8650 – vol. 41, o Banco Itaú S/A apresentou a documentação às f. 8655/8.698 – vol. 41.

 

O Procurador-Geral da República (f. 8763/8765 – vol 42) pugnou pela rejeição da denúncia em relação aos acusados Sylvio Romero, Eduardo Mundim e Jair Alonso de Oliveira haja vista a juntada de documentos que alteraram o quadro probatório e confirmou a tese defensiva deles.

 

Em seguida, às f. 8768/8770 – vol. 42, aditou a denúncia para incluir a imputação dos 05 (cinco) crimes de peculato praticados em desfavor do BEMGE, também em relação ao acusado Eduardo Guedes.

 

As f. 8946/8966 – vol. 42, o Relator acolheu o pedido de desmembramento do processo, formulado por Marcos Valério Fernandes de Souza, Eduardo Pereira Guedes Neto e Cláudio Roberto Mourão da Silveira, mantendo perante o Supremo Tribunal Federal apenas o processo e julgamento dos crimes imputados ao então Senador Eduardo Brandão de Azeredo.

 

Em face da decisão de desmembramento, o denunciado Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto interpôs Agravo Regimental, nos termos do art. 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e do art. 39 da Lei 8.038/90 (f. 8993/9008 - vol 43). Porém, desistiu do recurso (f. 9055- vol. 43), o que foi homologado (f. 9064 – vol. 43).

 

Após a remessa dos autos à Justiça Federal e parecer do Ministério Público Federal (f. 9015/9022 - vol. 42), o juízo declinou da competência para a Justiça Estadual (f. 9023 – vol. 42).

 

Denúncia e aditamento recebidos no dia 23/02/2010 (f. 9213/9222 – vol. 43).

 

Regularmente citado (f. 9778A – vol 45), o denunciado Renato Caporali ofereceu resposta à acusação (f. 9932 – vol. 46) arrolando onze testemunhas.

 

Regularmente citado (f. 9826 – vol.45), o denunciado Lauro Wilson ofereceu resposta à acusação (f. 9920/9931 – vol. 46) arrolando oito testemunhas.

 

Decisão rejeitando as teses defensivas e designando audiência de instrução às f. 10066/10070 – vol. 46).

 

Audiências de instrução às f. 10249/10269 (testemunhas: Gilberto Botelho Machado, Amílcar Viana Martins, Carlos Henrique Martins Teixeira, Alfeu Queiroga de Aguiar, Otimar Ferreira Bicalho, Guilherme Perpétuo Marques, Helvécio Aparecida Ribeiro, Maurício Dias Horta, Jolcio Carvalho Pereira, Roberto de Queiroz Gontijo, Leopoldo José de Oliveira, Aristides França Neto, Alexandre Rogério Martins da Silva), f. 10323 (testemunha: Elma Barbosa de Araújo), f. 10354 (testemunha: Henrique Bandeira de Melo), f. 10363 (testemunha: Edmilson da Fonseca), f. 10415 (testemunha: Paulo Roberto Matos Victor), f. 10449/10450 (testemunha: Wagner do Nascimento Júnior), f. 10476/10477 (testemunha: Custódio Antônio de Mattos), f. 10522/10528 (testemunha: Paulo Cury), f. 10723/10724 (testemunha: Paulo Sérgio Martins Alves), f. 10744/10768 (testemunhas: Ângelo Maneira, Paulo de Tarso Almeida Paiva, Eliane Alves Lopes, Elenize Alves de Almeida, Renato Villamarim Soares, Débora Simões Ferreira, Marco Antônio Estellita L. de S. Coimbra, Marco Aurélio Penzim, Ronaldo Tadeu Pena, Lúcio Urbano Silva Martins), f. 10815/10816 (testemunha: Gilberto Canaan), f. 10855/108/56 (testemunha: Reginaldo Braga Arcuri), f. 10876/10880 (testemunha: José Mucio Monteiro Filho), f. 10885/10886 (testemunha: Acácio Mendes de Andrade), f. 10922/10923 (testemunha: Helena de Paula Kierulff), f. 10950/10954 (testemunhas: Marco Aurélio Soares Ribeiro, Marcio Hiran), f. 10971/10974 (testemunhas: Cicero Marcus de Araújo, Ricardo Terenzi Neuenschwander), f. 11015/11017 (testemunha: Mário Ribeiro Filho), f. 11035/11042 (testemunhas: Guilherme Luiz Gonçalves, Paulo Vasconcelos do Rosário Neto), f. 11138/11164 (testemunhas: Adriana Machado, Carlos Rubens dos Santos Done, Ricardo Pena Machado, Luiz Antônio Athayde Vasconcelos, Vando Argentino Ferreira, Sérgio Esser, Maria do Perpétuo Socorro Costa Almeida) f. 1196/1199 (testemunha: Beatriz Bahia), f. 11213/11219 (Testemunhas: Lúcio Valadares Portela, Pedro Eutáquio Scapolatempore, Wellington Mauro da Silva, Maria Helena Fonseca Mansur),f. 11236/11240 (testemunhas Marcelo Arruda Nassif, Antônio Martinho Rezende), f. 11302/11306 (testemunhas: Enio Pereira Botelho, Ronaldo Lamounier Locatelli), f. 11486/11487 (interrogatórios).

 

Decisão determinando novo desmembramento processual às f. 11428/11431.

 

O Ministério Público, em alegações finais escritas de f. 11513/11521, pugnou pela condenação dos acusados nos termos da denúncia argumentando que, ao seguirem determinação do alto escalão do Governo Estadual, deliberando pelo repasse do montante de R$1.5000.000,00 à empresa SMP&B, a título de cota de patrocínio de eventos esportivos, sem nenhum estudo prévio do setor jurídico ou de comunicação da empresa, acataram ordem manifestamente ilegal, viabilizando, desta forma, o desvio de recursos públicos para a campanha de Eduardo Azeredo. Salienta que os acusados são profissionais experientes, razão pela qual não é possível concluir que ignoravam os vícios constantes da ordem emanada pela Secretaria de Comunicação do Governo Estadual. Aponta que, para garantir verossimilhança à ilegal transferência, pois a vultosa quantia não se justificava a uma única promoção esportiva de porte mediano, foi expedido outro ofício no qual consignou que o montante deveria ser destinado também aos eventos Iron Biker e Supercross. Na mesma data do ofício (07/08/1998) a empresa SMP&B Publicidade emitiu nota fiscal referente ao recebimento do valor do patrocínio, unicamente para o evento Enduro da |Independência, indicando que tais recursos teriam destinação diversa da formalmente prevista. Detalha a certeza da empresa de publicidade no recebimento dos valores que não exitou em emitir nota fiscal no mesmo dia da ordem dada pela secretaria à COMIG, três dias antes da efetiva aprovação pela diretoria da companhia.

 

Após a aprovação pela diretoria, assevera que a engrenagem seguiu funcionando até o objetivo final, financiar a campanha de Eduardo Azeredo, conforme comprovação pericial juntada no apenso 24 (Laudo de Exame Econômico-Financeiro nº 1998). Informa que referido laudo revela que do total do primeiro repasse (R$1000.000,00 – um milhão de reais) quase a totalidade foi sacada em espécie, visando ocultar a identificação dos sacadores e destinatários. O outro repasse (R$500.000,00 – quinhentos mil reais) foi destinado a cobrir despesas da campanha de Eduardo Azeredo.

 

Conclui que a tese apresentada em autodefesa não se sustenta porquanto era exigível outra conduta, pois inexiste qualquer hipótese de coação moral.

 

A defesa do acusado Renato Caporali, em alegações de f. 11535/11564, inicialmente, faz esclarecimentos sobre a origem da COMIG e sua função no âmbito da estrutura governamental. Informa que, em razão da rentabilidade, a empresa passou a ser requisitada para suprir deficiências financeiras do Estado de Minas Gerais, citando os investimentos de oitocentos e oitenta milhões de reais na construção da Cidade Administrativa, cem milhões de reais na construção da Linha Verde e 300 milhões de reais na construção da Sala Minas Gerais. Argumenta que o Estatuto Social, no seu art. 7º, determina que a Assembleia Geral dos Acionistas é quem tem a última palavra nas decisões da companhia. O Estado, por ser acionista majoritário e controlador, tinha o poder de decidir a respeito da aplicação dos recursos. Prossegue tecendo considerações sobre a importância do evento esportivo Enduro da Independência e do currículo do acusado. Argumenta que o papel do acusado na empresa, na qualidade de Diretor de Controle de Negócios, era garantir a entrada de receitas e não definir a aplicação dos recursos, mormente aqueles destinados a patrocínio de eventos.

 

Esclarece o teor do ofício encaminhado pelo então Secretário Adjunto de Comunicação Social, o acusado Eduardo Guedes, que continha determinação para que a COMIG adquirisse uma das cotas do patrocínio especial do evento esportivo, acrescentando que a demanda apresentada pelo Governo era adequada aos objetivos sociais da empresa. E, ainda, o ofício continha a urgência da demanda, haja vista que o evento aconteceria em um mês. Neste sentido, houve a reunião da diretoria, presente o advogado chefe do setor jurídico da empresa, Jolcio Pereira, na qual o diretor-presidente, Carlos Cotta, responsável pela área de comunicação social da empresa, detalhou que o evento encontrava dificuldades de patrocínio e, por isto, o recurso seria um socorro à sua realização.

 

Pondera que este foi o único contato que o acusado teve com a referida ordem do governo, afirmando que não tinha atribuição para avaliar estudo técnico a respeito de evento ou prestação de contas. Destaca que a decisão da diretoria foi acolhida pela Assembleia Geral Extraordinária e, somente após a aprovação dela, é que os cheques endereçados à SMP&B Comunicação foram emitidos e repassados. Assevera desconhecer, na época, a existência de duas empresas com as mesmas iniciais SMP&B.

Assinala que apenas cumpriu comando expresso do Governo, proprietário da empresa, e seu voto não foi determinante para a transferência dos valores à SMP&B, pois o cumprimento dependia de aprovação do Conselho de Administração e Assembleia de Acionistas.

 

Afirma que a ordem dada não era manifestamente ilegal, como quer o Parquet, pois, na reunião em que os diretores aprovaram o patrocínio estava presente o advogado da COMIG e ele nada alertou acerca disto. Acrescenta que o Conselho de Administração e a Assembleia Geral também aprovaram e, na reunião, estava presente o Procurador do Estado que não apontou qualquer ilegalidade na ordem exarada.

 

Quanto ao segundo ofício, o mesmo não passou sob o crivo do acusado, não podendo ser imputado a ele a distribuição da verba de patrocínio para outros eventos.

 

Conclui afirmando que a acusação não logrou êxito em comprovar o dolo do acusado em desviar recursos públicos, pois não existem provas de que soubesse do destino ilegal que seria dado ao recurso, conforme afirmado pelo Parquet, pugnando pela absolvição.

 

Eventualmente, requereu a desclassificação para o delito de peculato culposo por violação do dever de cuidado, com a consequente declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

 

A defesa do acusado Lauro Wilson, em alegações de f. 11569/11581, apresentou preliminar de mérito apontando o decurso de prazo prescricional, resultando na extinção da punibilidade, haja vista que completou 70 anos no dia 04/05/2017, incidindo, na hipótese, o disposto no art. 115 do Código Penal. Assinala que os fatos teriam ocorrido no dia 10/08/1998 e a denúncia foi recebida após o transcurso de 12 anos. Ressalta que, no caso, não se aplica a alteração promovida pela Lei 12.234/2010 por se tratar de norma prejudicial ao réu e, por isto, não retroage.

 

No mérito, atendendo ao princípio da eventualidade, afirma que a decisão da diretoria em acatar a ordem governamental de patrocinar o evento esportivo não foi isolada, pois o Conselho de Administração e a Assembleia Geral aprovaram tal repasse. Argumenta que a ordem não era manifestamente ilegal, pois aprovada pelo Departamento Jurídico da empresa e, ademais, o Estado de Minas Gerais, há muito, vinha patrocinando competições e campeonatos esportivos da espécie. Conclui dizendo que o repasse foi a título de patrocínio que implica numa divulgação da marca da empresa, inexistindo o crime de peculato. Pugnou pela absolvição.

 

É o relatório. Decido.

 

2 – Fundamentação

 

Inicialmente, deixo registrado que esta magistrada assumiu a 9ª Vara Criminal de Belo Horizonte no mês de abril do corrente ano com um acervo de processos para sentenciar, além das audiências realizadas de segunda a sexta-feira, muitos réus presos e feitos incluídos em metas do CNJ. Isto resultou no escasso tempo para a gestão da secretaria, prolação de sentenças, além dos despachos, o que provocou o atraso da decisão dos presentes autos, dada a complexidade e a necessidade de analisar todos os 52 volumes e seus anexos, o que foi feito pessoalmente.

 

Cuidam os autos de ação penal aforada pelo Ministério Público em face de Lauro Wilson de Lima Filho e Renato Caporali Cordeiro, acima qualificados, imputando-lhes a prática do delito descrito no art. 312 c/c o art. 327, ambos do Código Penal.

 

Na mesma peça exordial foram denunciados Eduardo Brandão de Azeredo, Walfrido dos Mares Guia Neto, Cláudio Mourão da Silveira, Clésio Soares de Andrade, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso, Cristiano de Mello Paz, Eduardo Pereira Guedes Neto, Fernando Moreira Soares, José Afonso Bicalho Beltrão da Silva, Jair Alonso de Oliveira, Sylvio Romero Perez de Carvalho e Eduardo Pimenta Mundim pela prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, cujos desmembramentos foram determinados posteriormente.

 

Conta na inicial que os acusados Renato Caporali e Lauro Wilson, respectivamente, na condição de Diretor de Desenvolvimento e Controle de Negócios e Diretor de Administração e Finanças, da COMIG, acataram ordem ilegal de Eduardo Guedes, então Secretário de Estado da Casa Civil e Comunicação Social, no sentido de que fosse repassado à empresa SMP&B Comunicação Ltda a quantia de R$1.5000.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) a título de aquisição de cota de patrocínio do evento Enduro da Independência. Consta, ainda, que os denunciados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach cuidaram de viabilizar a destinação criminosa do dinheiro público.

 

Inexistentes nulidades a serem sanadas, passo a análise meritória.

 

A defesa do acusado Lauro Wilson arguiu preliminar de mérito apontando o decurso do prazo prescricional, resultando na extinção da punibilidade, haja vista que o mesmo completou 70 anos, no dia 04/05/2017, incidindo na hipótese o disposto no art. 115 do Código Penal. Assinala que os fatos teriam ocorrido no dia 10/08/1998 e a denúncia foi recebida após o transcurso de 12 anos. Finaliza afirmando que, no caso, não se aplica a alteração promovida pela Lei 12.234/2010 por se tratar de norma prejudicial ao réu, não retroagindo.

 

Razão lhe assiste.

 

A denúncia imputa ao acusado a prática do crime descrito no art. 312 c/c o art. 327, 2º, ambos do Código Penal.

 

O preceito secundário da referida norma incriminadora prevê uma pena máxima de reclusão de 12 anos que, acrescida da causa de aumento de pena descrita no §2º do art. 327 do Código Penal, alcança o patamar de 16 anos de reclusão, incidindo, destarte, o prazo prescricional de 20 anos, nos termos do art. 109, I, do Código Penal.

 

Com efeito.

 

Os fatos imputados foram praticados no dia 10/08/1998, sendo que a denúncia foi recebida no dia 23/02/2010 (f. 9213/9222 – vol. 43), transcorrendo, portanto, mais de doze anos entre a data do fato e o recebimento da denúncia.

 

Conforme documentação acostada nos autos (f. 11582 – vol. 52), o denunciado completou 70 anos no dia 04/05/1947. Neste caso, incidir-se-á o disposto no art. 115 do Código Penal, in verbis: Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

 

Desta forma, reduzindo-se o prazo máximo pela metade chegamos ao patamar de 10 anos, já transcorridos há dois anos, sendo intransponível a preliminar ventilada, devendo ser declarada extinta a punibilidade do acusado, como quer a defesa.

 

A ocorrência do fato apontado na denúncia, que o acusado Renato Caporali e demais diretores da COMIG acataram ordem emanada pelo então Secretário Adjunto de Estado da Casa Civil e Comunicação Social, Eduardo Guedes, no sentido de que fosse repassado à empresa SMP&B Comunicação Ltda a quantia de R$1.5000.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), a título de aquisição de cota de patrocínio do evento Enduro da Independência, restou incontroverso, não só em razão da confissão, bem como da prova material colhida, senão vejamos:

 

O ofício, datado de 07/08/1998, endereçado aos diretores da COMIG encontra-se encartado às f. 1471- vol 07 no seguinte teor:

 

O Governo do Estado de Minas Gerais vem patrocinando há 12 (doze) anos o Enduro Internacional da Independência, atitude do poder público que objetiva não só o crescimento e fortalecimento da imagem de Minas Gerais, bem como, o incremento à própria economia mineira, merecendo destaque, dentre outros, os aspectos atinentes ao comércio em geral, diárias em hotéis e pousadas, projeção internacional, inclusive através de emissoras de TV a cabo, mídia impressa e revistas especializadas nacionais e internacionais.

O Enduro Internacional da Independência do presente ano, considerando o incremento da indústria hoteleira e bem assim, do turismo em geral, encontra-se na COMIG apoio e oferece à mesma oportunidade de ampla divulgação de imagem.

Assim, o Governo do Estado decidiu determinar a essa Empresa a participação como responsável por uma das cotas do patrocínio especial, cabendo à COMIG o desembolso de R$1.5000.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), respaldado, evidentemente, nesta manifestação e ratificado posteriormente por sua Diretoria Executiva, Conselho de Administração e Assembleia Geral Extraordinária que desde já solicitamos seja convocada para homologação dos atos praticados com vistas à participação publicitária no evento já mencionado.

A prestação de serviços de propaganda e publicidade e bem assim todo o desenvolvimento do Enduro está a cargo da Empresa SMP&B Comunicação que já receberá pelos serviços relativos ao patrocínio da COMIG, a importância relacionada.

Considerando o significado do evento e a urgência de que o mesmo se reveste, solicitamos imediatas providências para atendimento à presente determinação.”

 

No dia 10/08/1998 os diretores, incluindo aí o acusado, deliberaram em acatar a ordem do acionista majoritário, fazendo-se presente na reunião o secretário Jólcio Carvalho Pereira (f. 1472 – vol 7).

 

Posteriormente, no dia 11/08/1998 (f. 1473 – vol 7), o Conselho de Administração da empresa se reuniu e aprovou o patrocínio determinado pelo Estado de Minas Gerais.

 

Por fim, no dia 21/08/1998 (f. 1474 – vol 7), a Assembleia Geral Extraordinária autorizou o repasse financeiro ao referido evento esportivo na forma proposta pelo acionista majoritário. Nesta reunião a diretoria da empresa estava presente.

 

Nos dias 25/08/1998 e 03/09/1998 foram assinados os pedidos de pagamento pelo diretor da COMIG (f. 1476 e 1477 – vol 7), cujo recibo emitido pela SMP&B encontra-se juntado às f. 1480 – vol 7.

 

O acusado afirma ter visto apenas um ofício expedido pelo então Secretário Adjunto de Comunicação, Eduardo Guedes, determinando o patrocínio do evento Enduro da Independência e não nega a inexistência de um estudo acerca do aporte de vultosa quantia a esse evento esportivo, até mesmo porque, se existente, teria sido carreados aos autos. Justifica afirmando que a urgência da aprovação decorreu da exiguidade do tempo, pois estavam a 30 dias da prova. Isto o levou a acreditar que o Governo não conseguiu, via recursos ordinários, patrocinar o evento, recorrendo à COMIG, como sempre fazia, haja vista que ela, reiteradamente, o acudia nos problemas emergenciais.

 

Disse, ainda, que, embora a empresa tenha patrocinado eventos culturais, o aporte no caso dos autos foi significativo, mas não aberrante. Afirma que a ordem dada não era manifestamente ilegal, até mesmo porque o Chefe do Departamento Jurídico da empresa, Jólcio Carvalho Pereira, estava secretariando a reunião da diretoria e nada disse acerca de qualquer ilegalidade na mesma.

 

Acrescenta que, embora não se recorde se foi apresentado algum esboço contendo o que consistiria o patrocínio, dado o transcurso do tempo, isto não seria necessário para a empresa, pois a mesma sempre cumpriu a ordem dada pelo detentor virtual de 100% da propriedade. Exemplifica que, se fosse avaliado, do ponto de vista da sustentabilidade econômica, a reforma do Grande Hotel de Araxá, patrocinada pela empresa, não teria sido feita. Porém, a COMIG tornou-se uma empresa para resolver os problemas do Governo do Estado e sua missão era conduzir as licitações e o arrendamento dos negócios da empresa de forma a gerar recursos para a mesma.

 

Conclui declarando que em sua decisão de autorizar o patrocínio não reputou relevante avaliar o grau de eficácia dele ao estímulo do turismo mineiro, porquanto esse papel era do diretor de outra área que não a sua, porém, é inegável que o Enduro de Independência era uma importante atividade turística em Minas Gerais.

 

O Ministério Público afirma que a ordem exarada pelo Secretário Adjunto era manifestamente ilegal e tinha um objetivo adrede preparado, qual seja, irrigar a campanha de Eduardo Azeredo com recursos públicos. Articula que, sem a participação do acusado e demais diretores, o desvio não teria êxito. Agindo desta forma, praticou o crime de peculato-desvio.

 

O tema da obediência às ordens superiores é tratado no Código Penal no art. 22, segunda parte, in verbis:

 

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.”

 

As relações de direito público, nas quais há competências definidas no poder de ordenar do superior hierárquico e de obedecer do subordinado, têm o escopo de viabilizar as inúmeras atribuições inerentes ao Estado.

 

O Direito exclui a culpabilidade do subordinado quando se tratar de obediência a ordem não manifestamente ilegal. Podemos dizer que ordem manifestamente ilegal é aquela cuja ilegalidade é evidente, compreendida como tal sem um maior esforço de reflexão.

 

No caso, para verificar se a ordem emitida pelo Secretário Adjunto, Eduardo Guedes, era evidentemente ilegal, reputo imprescindível analisar em que contexto os fatos ocorreram.

 

O acusado argumenta que a empresa sempre cumpriu a ordem dada pelo detentor virtual de 100% da propriedade, o Estado de Minas Gerais, e a ausência de estudo técnico de viabilidade do patrocínio ocorreu em razão da exiguidade temporal existente entre o comando exarado e o evento a ser patrocinado.

 

Essa alegação foi reproduzida pelo corréu Lauro Wilson, às f. 11.487, ao ser interrogado pelo juízo afirmou que as determinações do governo eram apresentadas à diretoria pelo Presidente. No caso, o ofício determinava o patrocínio do Enduro da Independência sob o argumento de que era do interesse do Governo, pois havia vários anos que isto já se realizava, inexistindo possibilidade da COMIG rejeitar tal pedido. Revelou que o Governo sempre mandava destinar recursos da referida empresa em convênios e patrocínios, inclusive indicando os valores. Acrescentou que a COMIG sempre patrocinou a publicidade do Governo de Minas.

 

O então Presidente da COMIG, José Cláudio Pinto Resende, disse, em depoimento à Justiça Eleitoral (f. 1012 – vol 5), que não havia possibilidade da empresa negar o patrocínio determinado porquanto houve aprovação da Assembleia Geral.

 

A corroborar tais assertivas, a testemunha Jolcio Carvalho Pereira (f. 10264) afirmou ter advertido o Presidente da empresa acerca da necessidade de uma análise jurídica do encaminhamento governamental, mas ele alegou que atenderia porque o ofício continha a determinação. Confirmou suas declarações prestadas na fase inquisitiva (f. 4392/4394, com ressalva quanto à troca do nome da empresa COMIG) no seguinte teor: (...) que como chefe jurídico não se opôs ao fato da COMIG patrocinar o evento Enduro da Independência, não havendo porém em nenhum momento solicitação no sentido de ser verificado a legalidade do repasse, havendo sim a determinação superior, do presidente, para atender contido no ofício da SECOM, assinado pelo Sr. Eduardo Guedes, o que foi cumprido pelo declarante, tomando as providências burocráticas necessárias; que o jurídico não realizou nenhuma avaliação técnica a respeito da viabilidade do repasse de verba de patrocínio pela COMIG a empresa SMP&B Comunicação; que não se recorda de nenhum pensamento divergente no sentido de não contribuir com a verba de patrocínio para o evento Enduro da Independência; que tecnicamente, de acordo com a lei n. 6.404/76, a assembleia geral extraordinária era órgão soberano, podendo inclusive deixar de atender a determinação da Secretaria de Comunicação Social do Estado de Minas Gerais, mas gostaria de esclarecer que, inclusive, o Estado de Minas estava presente na assembleia por meio do procurador, Dr. José Mauro Catta Preta Leal, que detinha quase 98% das ações da empresa e não se opôs a determinação contida no documento da SECOM fosse atendido; (...)”

 

A testemunha Lúcio Valadares Portela, ouvido às f. 11214/11215) destacou ser jornalista e ocupava a função de diretor da Rede TV em Belo Horizonte. No ano de 1998, não se recordava se estava na Rede Manchete ou na Rede TV, afirmando que ambas tinham ligação com o Governo do Estado. Disse que a Rede Manchete sempre teve, também, relações com várias empresas e órgãos do governo, como CEMIG, COPASA, SECRETARIA DE SAÚDE , BEMGE, COMIG e outras. Informou que os projetos eram encaminhados aos Secretários Adjuntos e depois de aprovados tecnicamente pela Secretaria Adjunta iam ao órgão ao qual era destinado. Afirmou que referidos órgãos e empresas não tinham autonomia para recusar a ordem exarada do Secretário de Comunicação.

 

José Mauro Catta Preta Leal, Procurador do Estado à época que estava presente na Assembleia Geral Extraordinária, ao ser ouvido na fase de investigação (f. 2031/2034), assinalou que, embora inexista dever legal por parte da COMIG em atender a ordem do patrocínio, existia documento, assinado pelo então Secretário Adjunto de Estado de Comunicação, Eduardo Guedes, determinando tal ato. Afirmou que a destinação do recurso seria para a realização do Enduro da Independência, não se recordando se a cota de patrocínio abrangia outros eventos. Disse ter ouvido do advogado da COMIG (Jólcio) que a empresa já tinha patrocinado outros eventos anteriormente e do auditor que havia disponibilidade de numerário em caixa para adquirir as cotas determinadas. Salientou que, durante a Assembleia, uma pessoa ligada a empresa fez explanação acerca dos benefícios advindos do patrocínio do evento, não se recordando do nome deste funcionário.

 

Desta forma, observa-se que a cultura instituída nas empresas públicas e órgãos da administração era de total subserviência aos interesses dos administradores públicos ocupantes dos cargos executivos.

 

Conforme depoimento do chefe do jurídico da COMIG, embora a Assembleia Geral Extraordinária, do ponto de vista do Direito, poderia deixar de atender a ordem do Governo, não o fez, confirmando a conclusão acima feita.

 

Impende registrar que o segundo ofício juntado aos autos, datado igualmente ao primeiro, 07.08.1998 (f. 1324 - vol 06), modificando os termos do outro, pois substituiu a expressão “determinar” para “autorizo a COMIG” e acrescentou dois eventos, não era do conhecimento do acusado e nem dos demais, bem como das testemunhas ouvidas, conforme acima transcrito. Isto indica que foi “construído”, posteriormente, para justificar o investimento da vultosa quantia em patrocínio e excluir a responsabilidade do signatário.

Curioso é que, conquanto ambos os ofícios tenham sido expedidos, em tese, na mesma data, pelo mesmo órgão e assinados por Eduardo Guedes contêm redação e formato de letra completamente diversos.

 

Neste contexto, poderíamos afirmar que a ordem dada pelo Secretário Adjunto de Estado da Casa Civil e Comunicação Social, que é quem, segundo a testemunha acima referida, recebia os projetos e emitia aprovação técnica antes de submetê-los ao titular da pasta, era manifestamente ilegal para caracterizar a conduta dolosa do acusado? No nosso sentir, não.

 

A uma, que o próprio responsável jurídico disse ter alertado apenas o Presidente acerca da necessidade de um estudo de viabilidade da proposta, não se estendendo aos outros diretores, o que era sua obrigação.

 

Participou da reunião e nada disse, pois a confirmar suas declarações de alerta apenas ao Presidente, na ata de f. 1472 – vol 7, nada consta.

 

Posteriormente, no dia 11/08/1998 (f. 1473 – vol 7), o Conselho de Administração da empresa se reuniu e também aprovou o patrocínio determinado pelo Estado de Minas Gerais.

 

Por fim, no dia 21/08/1998 (f. 1474 – vol 7), o órgão soberano, a Assembleia Geral Extraordinária, autorizou o repasse financeiro à empresa SMP&B Publicidade, na forma proposta pelo acionista majoritário (aqui estou me referindo ao primeiro ofício, aquele que, de fato, foi submetido à diretoria, Conselho e Assembleia, conforme afirmado pelos envolvidos e testemunha). Nessa reunião, a diretoria da empresa estava presente, bem como um Procurador do Estado de Minas Gerais, profissional responsável em prestar assessoramento jurídico, consultoria e representação judicial e extrajudicial do Estado, além de controlar a legalidade dos atos da administração pública e agir em defesa dos interesses públicos.

 

É dizer, o acusado não poderia verificar, de plano, a ilegalidade da ordem se nem mesmo os profissionais do Direito, que tinham o dever de fazer isto, o alertaram para tal.

 

Ao contrário dos demais corréus (José Cláudio Pinto de Resende e Lauro Wilson) ele não se licenciou do cargo para se dedicar à campanha de reeleição de Eduardo Azeredo, fato que corrobora suas alegações.

 

Porém, no nosso entendimento, o acusado deixou de agir com o dever de cuidado exigível de todos que possuem poder de decisão acerca da res publica.

 

A forma culposa do peculato é definida por Cezar Roberto Bitencourt da seguinte forma:

 

Ocorre quando o funcionário público concorre para que outrem se aproprie, desvie ou subtraia o objeto material em razão de sua inobservância ou dever de cuidado objetivo e necessário (§2º)” (in Tratado de Direito Penal: parte especial: volume 4 - São Paulo: Saraiva, 2004 - p. 377)

 

Guilherme de Souza Nucci doutrina acerca do tema:

 

é figura a ser preenchida através do elemento subjetivo culpa, isto é, imprudência, negligência ou imperícia (…) Na realidade, criou-se neste dispositivo autêntica participação culposa em ação dolosa alheia (note-se que não se fala em participação culposa em crime doloso, o que é inviável pela teoria monística adotada no concurso de pessoas (…). O funcionário, para ser punido, insere-se na figura do garante, prevista no art. 13, §2º, do Código Penal. Assim, tem ele o dever de agir, impedindo o resultado de ação delituosa de outrem. Não o fazendo, responde por peculato culposo.” (in Código Penal Comentado – 6ª ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006 – p. 1009)

 

Cabia ao acusado indagar se aquele patrocínio era do interesse da empresa ou, apenas, de quem administrava o governo, exigindo, com a urgência necessária, uma manifestação do jurídico e do setor de comunicação, profissionais contratados justamente para isto, principalmente se considerarmos que, até então, quem realizava tais patrocínios era a própria Secretaria de Comunicação.

 

Saliente-se que, conforme constou no Relatório Final dos Trabalhos da CPMI “dos Correios” (f. 6.561/6.574, Volumes 30/31) os investimentos do Governo, através da referida pasta, antes do ano de 1998, foram de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) em 1995, R$50.000,00 (cinquenta mil reais) em 1996 e R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) em 1997. Saltou de R$250.000,00 para R$1.500.000,00 só o repasse da COMIG.

 

É dizer, a desproporcionalidade era patente e o acusado deveria ter o cuidado de verificar isto, pois o que se espera dos administradores públicos é toda a lisura no trato da coisa pública, o que não ocorreu.

 

Acrescente-se que, do ponto de vista administrativo, regras também restaram violadas.

Embora o caso não resulte na necessidade da realização da licitação, nos termos do art. 25 da Lei 8.666/93, não era inexigível a formalização do contrato de patrocínio, mormente se considerarmos a vultosa quantia empenhada, o que não foi feito.

 

O entendimento do Tribunal de Contas da União é no sentido de que as concessões de patrocínio devem ser formalizadas exigindo-se do ente patrocinado não só os documentos de regularidade fiscal, mas também a prestação de contas, tudo para resguardar o interesse público e demonstrar o nexo de causalidade entre os valores repassados e o fim a que eles se destinavam.

 

O que observamos no Brasil, em todas as esferas administrativas, é que, a título de propaganda para “informar” o cidadão sobre a gestão pública, os contratos publicitários têm sido, reiteradamente, fonte de desvios de dinheiro público. E isto, definitivamente, não é novidade para ninguém, principalmente hodiernamente que os fatos estão sendo revelados.

 

E nem o era nos idos de 1998.

 

Observamos, ainda, neste país uma confusão entre o interesse público e daquele que faz a gestão da coisa pública, que, nem sempre, infelizmente, são coincidentes.

 

O caso em apreço é típico. Uma empresa pública rentável que se prestava a servir o interesse de quem fazia a gestão sem qualquer questionamento porque “isto não era cabível”. Por certo, esta continua sendo a prática dos gestores que são indicados por aqueles eleitos pelos cidadãos mineiros.

 

O poder outorgado pelo eleitor é para o gestor realizar, tão somente, aquilo que é do interesse comum e não aquilo que beneficiará sua imagem para garantir-lhe sucesso em novos pleitos eleitorais.

 

Isto deveria ser a conduta de qualquer um que ocupe um cargo, emprego ou função pública.

Conquanto a decisão isolada do acusado em negar o patrocínio não surtiria o efeito desejado no rumo das coisas, pois a aprovação seguiu rigorosamente o contido no estatuto social, culminando com a manifestação do órgão máximo aprovando-o, cujo repasse só foi realizado após essa aprovação, conforme já dito, era seu dever exigir as respectivas avaliações e informar-se sobre a prestação de contas, inclusive poderia ter alertado os demais.

 

Não estamos tratando aqui de um profissional desavisado, ao revés, alguém com formação impecável, inclusive ostentando título emitido por universidade europeia, demonstrando ser pessoa altamente capaz para o exercício do cargo que lhe foi confiado.

As provas carreadas aos autos demonstraram que a quantia repassada pela COMIG à SMP&B Publicidade foi desviada para a campanha de reeleição de Eduardo Azeredo, vejamos:

 

A empresa SMP&B Publicidade detinha o direito exclusivo para promover e comercializar o evento Enduro Internacional da Independência, conforme contrato carreado às f. 1077/1081. Todavia, os elementos amealhados revelaram que a real beneficiária do valor repassado a título de patrocínio foi a empresa SMP&B Comunicação, criada para receber os ativos da SMP&B Publicidade que, por sua vez, estava com inúmeras dívidas.

 

Isto acabou revelando que a nota fiscal emitida pela empresa SMP&B Comunicação (f. 1481) não correspondeu à operação efetivamente realizada, caracterizando-se como “fria”.

 

Curioso é que nos pedidos de pagamento emitidos pela COMIG (f. 1476 e 1477), assinados por seu Presidente, José Cláudio, consta elementos inverídicos, pois menciona que os recursos seriam destinados ao patrocínio de três eventos: Enduro da Independência, Iron Biker e Mundial Supercross, conforme autorização da Assembleia Geral Extraordinária. Porém, como explanado acima, a autorização se resumiu ao primeiro evento. Tudo a demonstrar a montagem de documentos que, no nosso sentir, foi determinada pelo presidente da empresa a justificar a extraordinária destinação a um único evento esportivo, sinalizando sua anuência ao desvio feito.

 

E esse desvio se consolidou com a prova de que o dinheiro repassado pela COMIG à SMP&B Publicidade, através dos cheques n° 000375 (no valor de R$1.000.000,00 - um milhão de reais) e n° 000384 (no valor de R$ 500.000,00 - quinhentos mil reais), nominais à referida empresa publicitária, foram creditados na conta da empresa SMP&B Comunicação, em 25 de Agosto e 04 de Setembro de 1998, respectivamente, e, posteriormente, empenhados na companha à reeleição de Eduardo Azeredo (apenso 23).

 

No Laudo de Exame Econômico Financeiro das operações de créditos realizadas no ano de 1998 em favor das empresas DNA Propagandas, SMP&B Comunicação Ltda e SMP&B São Paulo Comunicação, dentre outras vinculadas ao acusado Marcos Valério, elaborado pelo Instituto de Criminalística do Departamento da Polícia Federal (apenso 23), podemos verificar o percurso da quase totalidade desse dinheiro.

 

Os peritos concluíram, às f. 52, que os recursos dos dois cheques repassados pela COMIG “suportaram saque em espécie de R$800.000,00 de 25/08/98, de mesma data do depósito de R$1.000.000,00 e sem identificação dos beneficiários, e os débitos realizados em conjunto com os dois empréstimos de R$3.000.000,00, analisados a partir dos Quadros 10 e 11.” A quantia de R$500.000,00 foi empregada para a cobertura dos gastos da campanha de reeleição de Eduardo Azeredo, assim vejamos:

 

Quadro 10 - Contrato de mútuo n° 072979-93 (item 6 do Quadro 02)

Credor

Banco Cidade S.A, CNPJ 61.377.677/0001-38

Devedor

DNA Propaganda Ltda, CNPJ 17.397.076.0001-03

Avalistas

Marcos Valerio Fernandes de Souza, CPF 403.760.956-87

Francisco Marcos Castilho Santos, CPF 098.486.226-91

Valor Principal

R$3.000.000,00

Data da Operação

03/09/1998

Garantias

Nota Promissória emitida pelo devedor em favor do credor, com vencimento à vista, no valor de R$4.500.000,00.
-Duplicatas de venda mercantil ou outra espécie de título no valor de 100% do valor do principal, a serem entregues em caução, para cobrança por meio do Banco.

Data do Vencimento

05/10/1998


Quadro 11 - Contrato de mútuo n° 072980-27 (item 7 do Quadro 02)

Credor

Banco Cidade S.A., CNPJ 61.377.677/0001-38.

Devedor

DNA Propaganda Ltda, CNPJ 17.397.076.0001-03.

Avalistas

Marcos Valério Fernandes de Souza, CPF 403.760.956-87;

Francisco Marcos Castilho Santos, CPF 098.486.226-91.

Valor Principal

R$3.000.000,00.

Data da operação

03/09/98.

Garantias

-Nota Promissória emitida pelo devedor em favor do credor, com vencimento
à vista, no valor de R$4.500.000,00.
-Duplicatas de venda mercantil ou outra espécie de título no valor de 100% do valor do principal, a serem entregues em caução, para cobrança por meio do Banco.

Data do Vencimento

03/11/1998

 

53. Em relação aos Quadros 10 e 11, os valores foram movimentados conjuntamente. Para o contrato n° 072979-93, foi aberta, em 03/09/98, a conta de n° 072979-93, agência 071, Banco Cidade S.A., de titularidade de DNA Propaganda, com limite de crédito de R$3.000.000,00. Para o contrato n° 072980-27, foi aberta, em 03/09/98, a conta de n° 072980-27, agência 071, Banco Cidade S.A., de titularidade de DNA Propaganda, também com limite de crédito R$3.000.000,00.

54. Nessa data, essas contas foram debitadas em R$2.800.000,00, cada, e emitido um cheque ordem de pagamento do Banco Cidade S.A., em favor da DNA Propaganda, no valor de R$5.600.000,00.

55. O referido cheque foi depositado em 03/09/98, em favor da DNA Propaganda, na conta-corrente n° 06.002241-4, agência 009, Banco Rural, que apresentava saldo de R$725,84. Nessa data houve transferência do valor integral (R$5.600.000,00) para a SMP&B Comunicação, conta-corrente n° 06.002289-9, agência 009, Banco Rural, quando teve a seguinte destinação:

I - cobertura de saldo negativo da conta-corrente n° 06.002289-9 que iniciou a movimentação financeira do dia 03/09/98 devedora de R$186.776,67, em razão de
débito de cheque compensado no valor de R$200.000,00, em 02/09/98, tendo como
beneficiário a conta n° 27103769, agência 001, Banco Mercantil do Brasil S.A.,
titularidade de Tora Transportes Industriais Ltda;

II - o saldo remanescente, após cobertura do saldo negativo R$186.776,67, e
o depósito de R$500.000,00, efetuado em 04/09/98, oriundo da COMIG permitiram
efetuar os débitos relacionados no quadro a seguir:

Quadro 12 - Débitos ocorridos na conta n° 06.002289-9 entre 03/09 e 09/09/98

 

Item

Data

Histórico

Doc.

Valor (R$)

Favorecido

Banco

Agência

Conta

1

03/09/98

cheque

89699

16.000,00

Saque em espécie

-

-

-

2

03/09/98

cheque

189705

13.000,00

Saque em espécie

-

-

-

3

03/09/98

Ch comp maior v

189725

28.330,35

Não identificado

237

3437

-

4

04/09/98

Ch comp maior v

189752

19.668,22

Não identificado

237

-

-

5

04/09/98

cheque

189777

120.000,00

Arcino da Costa Lopes

-

-

-

6

04/09/98

Ch comp maior v

189778

15.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

7

04/09/98

Ch comp maior v

189779

15.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

8

04/09/98

Ch comp maior v

189780

15.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

9

04/09/98

Ch comp maior v

189781

15.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

10

04/09/98

Ch comp maior v

189782

15.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

11

04/09/98

Ch comp maior v

189783

10.000,00

Otimar Ferreira Bicalho

-

-

-

12

04/09/98

cheque

189784

50.000,00

Renne Pinheiro Anunciação

-

-

-

13

04/09/98

Chq. pg.obrig

189785

180.180,18

Libe Construtora Ltda

048

0091

219592

14

04/09/98

Ch comp maior v

189803

52.750,00

Não identificado

104

 

 

15

04/09/98

Ch comp maior v

189805

14.000,00

Não informado

237

0513

040998

16

04/09/98

Chq. pg.obrig

189808

14.800,00

Eduardo M. T. Rocha

409

0961

2015538

17

04/09/98

cheque

189835

75.000,00

Aristides França Neto

-

-

-

18

04/09/98

Saq/ch.out.age

189841

150.000,00

Saque em espécie

-

-

-

19

04/09/98

Deb.autorz.clie

909347

20.000,00

Cláudio Rogério Mourão da Silveira

275

0184

19639690

20

04/09/98

Deb.autorz.clie

909349

250.000,00

Nucleo Brasileiro de Apoio Cult. Ltda

641

0749

11012056

21

04/09/98

Deb.autorz.clie

909351

15.000,00

Patrícia Ferreira Tavares

341

0590

234449

22

04/09/98

Deb.autorz.clie

909355

10.000,00

Guilherme Perpétuo Marques

409

301

6263752

23

08/09/98

Tr. cta. mes.tit.

111003

285.000,00

SMP&B Comunicação

453

009

060022937

24

08/09/98

cheque

189730

10.000,00

Saque em espécie

-

-

-

25

08/09/98

Ch comp maior v

189771

42.000,00

Soc RTV Alterosa Ltda

-

-

-

26

08/09/98

Ch comp maior v

189791

420.000,00

Valter Eustáquio Cruz Gonçalves

479

16

34440904

27

08/09/98

Ch comp maior v

189792

41.000,00

Não identificado

237

-

-

28

08/09/98

Ch comp maior v

189820

139.350,00

Marcos Valério Fernandes de Souza

291

0107

5859461

29

08/09/98

Ch comp maior v

189837

18.120,00

Sérgio Pereira Marques

477

-

-

30

08/09/98

Ch comp maior v

189838

50.000,00

Não informado

399

0884

916375

31

08/09/98

Ch comp maior v

189840

30.000,00

Vagner Nascimento Junior

008

 

0605109231

32

08/09/98

cheque

189842

14.074,05

Saque em espécie

 

 

 

33

08/09/98

Ch comp maior v

189844

56.750,00

Não identificado

237

 

 

34

09/09/98

cheque

189626

25.000,00

Saque em espécie

-

-

-

35

09/09/98

Ch comp maior v

189627

25.000,00

Não informado

275

0040

97227018

36

09/09/98

cheque

189793

40.000,00

Saque em espécie

-

-

-

37

09/09/98

cheque

189794

20.000,00

Saque em espécie

-

-

-

38

09/09/98

Ch comp maior v

189795

56.650,00

Virtual Comunicação e Vídeo

347

100

1006942001

39

09/09/98

Ch comp maior v

189796

16.650,00

Sonho e Sons Ltda

341

0587

146044

40

09/09/98

Ch comp maior v

189797

12.350,00

Alexandre Rogério M da Silva

237

0465

0101151

41

09/09/98

cheque

189823

68.400,00

Saque em espécie

-

-

-

42

09/09/98

Ch comp maior v

189824

20.000,00

Não informado

275

0040

97227018

43

09/09/98

cheque

189857

1.200.000,00

Saque em espécie

-

-

-

44

09/09/98

cheque

189858

203.000,00

Saque em espécie

-

-

-

45

09/09/98

Chq. pg.obrig

189875

30.000,00

Paulo Cury

453

009

800005444

46

09/09/98

cheque

189876

85.000,00

Saque em espécie

-

-

-

47

09/09/98

cheque

245625

19.419,00

Libe Construtora Ltda

244

0012

01158207

48

09/09/98

Chq. pg.obrig

246133

527.500,00

DNA Propaganda

453

009

60022414

49

09/09/98

Chq. pg.obrig

246134

112.000,00

Roberto de Queiroz Gontijo

453

09

880041686

50

09/09/98

Chq. pg.obrig

246134

26.000,00

Sergio Reis Produções Artísticas

453

009

060023470

51

09/09/98

Deb.autorz.clie

902195

20.000,00

Leonardo Pinho Lara

275

0097

07341929

52

09/09/98

Deb.autorz.clie

2195

56.533,00

Alfeu Queiroga de Aguiar

409

0511

2028350


Do laudo pericial podemos verificar o percurso do dinheiro entregue à agência de publicidade, sua mistura com outros recursos, numa verdadeira engenharia para escamotear o desvio do dinheiro público repassado, o que nos faz presumir pela absoluta impossibilidade de prestação de contas por parte da empresa SMP&B à COMIG.

Alguns desses beneficiários foram ouvidos e declararam ter recebido tal recurso como prestação de serviços à campanha de reeleição de Eduardo Azeredo, comprovando a tese ministerial.

Otimar Ferreira Bicalho, ouvido em juízo às f. 10.259 – vol. 47, confirmou suas declarações prestadas na fase inquisitiva (f. 4911/49/12 – vol. 23). Nestas constam sua trajetória no PMDB, desde o ano de 1982, os cargos assumidos na Administração Pública e como chegou à campanha de Eduardo Azeredo no ano de 1988.Afirmou ter sido convidado pelo próprio candidato para assumir o gerenciamento da equipe de pintura na cidade de Belo Horizonte, licenciando-se do cargo de diretor comercial da COHAB. Revelou que, no início, Cláudio Mourão lhe repassava semanalmente a quantia de R$20.000,00, em espécie, para o pagamento dos pintores. Contudo, devido às dificuldades financeiras da campanha, houve atrasos e seu escritório foi invadido pelos trabalhadores da pintura. Realizou um acordo com Cláudio Mourão e ele efetuou o repasse dos cinco cheques constantes na tabela (cinco no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e um no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), totalizando 85.000,00 (oitenta e cinco mil reais), utilizando-os para quitar o débito com os trabalhadores. Depois desse fato se afastou da campanha.

 

Aristides França Neto, ouvido às f. 10.268 – vol 47, confirmou suas declarações prestadas na fase inquisitiva, f. 2201/2202 – vol. 11, informando ter sido subcoordenador regional da campanha da coligação PSDB/PFL ao governo de Minas. Nesta condição era subordinado ao coordenador político, Carlos Cota, coordenador regional da área metropolitana de Belo Horizonte/MG. Confirmou o recebimento da quantia de R$205.000,00 (duzentos e cinco mil reais) no dia 30/09/1998 e tais recursos foram depositados pela coordenação da campanha com o objetivo de custear as despesas da mesma. Não soube informar o responsável pelo depósito em conta, entretanto afirmou que tal quantia foi destinada ao pagamento de serviços contratados para a campanha como pintura de muros, panfletagens, cabos eleitorais e carros de som.

Cláudio Roberto Mourão da Silveira foi coordenador financeiro e corréu, restando demonstrado ter sido beneficiado com o valor de R$ 20.000,00 apontada no item 19 do quadro.

Patrícia Ferreira Tavares - coordenadora de eventos da campanha- ouvida apenas na fase de inquérito, corroborou a prova até então existente do desvio do dinheiro repassado a SMP&B. Destacou não se recordar do depósito no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais) realizado pela referida empresa de publicidade em sua conta-corrente, embora confirme ser a titular da mesma. Asseverou ter recebido R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais, no período de seis meses, mais diárias de viagens no valor de R$100,00 (cem reais) para custeio de hospedagens, combustível, alimentação(f.2203-2205-vol.11).

Guilherme Perpétuo Marques, ouvido pelo juízo às f. 10.260 – vol. 47 – confirmou suas declarações prestadas na fase de inquérito (f. 4891/4892 – vol. 23) nas quais constam ter trabalhado na campanha de Eduardo Azeredo no ano de 1998, sendo responsável pela produção de shows. Declarou ter recebido o valor indicado na tabela sendo o mesmo referente aos serviços prestados na produção de eventos para a campanha de Eduardo Azeredo. Assinalou ter recebido através de depósito, já que, na maioria das vezes, recebida por RPA, porque estava viajando e não tinha como receber pessoalmente o valor devido.


Wagner do Nascimento Júnior, outro beneficiário apontado no quadro, ouvido às f. 10450 – vol. 48) confirmou o teor de suas declarações prestadas à Autoridade Policial (f. 2290/2292 – vol. 11) dizendo ter recebido o valor de R$30.000,00 constante na tabela acima destinando-o à campanha para deputado federal pela coligação PSDB, PFL, PPB de seu pai, Wagner do Nascimento. Estranhou o fato de qual quantia ter sido depositada em sua conta-corrente, porém, obteve informações de seu genitor, na época, que a mesma seria um auxílio financeiro da coligação mencionada.

Alexandre Rogério Martins da Silva, ouvido às f. 10269 – vol. 47, confirmou suas declarações prestadas no inquérito, às f. 4896/4897) e nestas constam ter sido contratado pela empresa SMP&B para produzir o áudio para TV e o programa de rádio dos candidatos proporcionais da coligação liderada pelos partidos PSDB/PFL na eleição de 1998. Confidenciou o valor cobrado pelos serviços, R$25.000,00, sendo pago em duas parcelas, a primeira no dia 09/09/1998, no valor de R$12.350,00, e, a segunda, no mesmo valor. Disse não ter não ter encontrado as notas fiscais referentes aos serviços prestados talvez pelo fato do pagamento ter sido feito por meio do caixa 2.

Paulo Cury, ouvido às f. 10527/10528 – vol 48), confirmou suas declarações prestadas na fase inquisitiva (f. 2281/2282 – vol 11), ocasião na qual confirmou o recebimento em dinheiro depositado em sua conta particular utilizada para sua campanha à Deputado Federal pelo PFL no ano de 1998, informando ter acreditado que tal depósito seria oriundo de arrecadação dos diretores e amigos e conselheiros do Clube Atlético Mineiro. Afirmou desconhecer a origem do montante creditado, mas que o gastou em sua campanha.

Roberto de Queiroz Gontijo, ouvido às f. 10266 – vol. 47, confirmou suas declarações prestadas à Autoridade Policial, às f. 2217/2219 – vol. 11, nas quais contam ter sido indicado por Eduardo Azeredo para atuar como coordenador de eventos da campanha no ano de 1998, trabalhando durante noventa dias. Informou ter recebido em torno de R$100.000,00 (cem mil reais) e o dinheiro era depositado em sua conta-corrente e em outras oportunidades recebia no comitê das mãos de Cláudio Mourão. Afirmou não emitir nota fiscal ou recibo por orientação da própria coordenação. Confirmou o valor indicado no quadro acima e esclareceu que o mesmo foi gasto na campanha de Eduardo Azeredo. Acrescentou, em juízo, que não poderia afirmar que o acusado Cláudio Mourão tivesse conhecimento que o depósito efetivado em sua conta foi feito pela empresa SMP&B uma vez que esta empresa era quem lhe comunicava sobre os depósitos realizados. Acrescentou, ainda, ter recebido em torno de R$300.000,00 (trezentos mil reais) e o valor que excedeu à quantia de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) foi quitada em espécie na sede do comitê, sendo que parte recebeu da assessoria do acusado Clésio Andrade. Por fim, disse ter sido levado para a campanha não só por Eduardo Azeredo, mas também por Clésio Andrade.


Leonardo Pinho Lara declarou ter prestado serviços de fotografia para campanha de Eduardo Azeredo no ano de 1998, sendo contratado pelo assessor de imprensa, Chico Brant. Disse ter prestado tais serviços por quatro meses, recebendo R$6.000,00 (seis mil reais) por mês. Indagado acerca do depósito de R$20.000,00 (vinte mil reais) em contra de sua titularidade, n. 7341929, do Banco Real, feito pela empresa SMP&B, disse não se recordar da existência dessa conta-corrente, bem como ter recebido tal quantia. (f. 2211/2213 – vol. 11)

 

Alfeu Queiroga de Aguiar, ouvido por este juízo às f. 10260 – vol. 47), disse ter sido contratado para a produção de material jornalístico e telejornalístico para a campanha de Eduardo Azeredo. Confirmou suas declarações prestadas na fase de inquérito (f.1999/2000 – vol. 10) nas quais constam ter recebido o valor de R$56.533,00 (cinquenta e seis mil, quinhentos e trinta e três reais) constante no quadro 12, confirmou tal recebimento e disse que o mesmo se referia aos serviços prestados à campanha à reeleição do corréu Eduardo Azeredo .

Sendo assim, restou satisfatoriamente demonstrado que a ausência do dever de cuidado por parte do acusado contribuiu para a ação delituosa de outrem, pois a quase totalidade do dinheiro repassado pela COMIG à empresa SMP&B foi utilizada para incrementar o caixa 2 da campanha à reeleição de Eduardo Azeredo. Para dar uma aparência lícita a tais valores foi realizado um processo de lavagem.

 

3-Dispositivo

 

Ante o exposto, julgo extinta a punibilidade de Lauro Wilson, acima qualificado, com fulcro no art. 107, IV, c/c o art. 109, I, c/c o art. 115, todos do Código Penal.

 

Julgo, por conseguinte, parcialmente procedente o pedido inicial para condenar Renato Caporali Cordeiro, acima qualificado, como incurso nas sanções do art. 312, §2º, do Código Penal.

 

Passo a aplicar-lhe a pena atenta às diretrizes da lei penal.

 

A culpabilidade foi acentuada. O que se espera de qualquer ocupante de cargo público, como guardião dos recursos públicos, é um zelo no trato da res bem superior àquele dispensado na administração dos próprios bens, o que não ocorreu. Ao deixar de verificar o motivo de vultoso investimento em um evento esportivo, o que era exigível, o acusado contribuiu para a ação dolosa de outrem consistente no desvio dos recursos da empresa pública que foram destinados ao Caixa 2 da campanha de Eduardo Azeredo. Com isto, traiu o interesse do destinatário de toda a gestão pública, o povo mineiro, que, pacientemente, paga seus impostos esperando a contraprestação estatal que nunca vem.

 

Não apresenta antecedentes, conforme certidão juntada às f. 9047.

 

Há elementos nos autos que indicam boa conduta social consubstanciados nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo acusado e ouvidas pelo juízo.

 

Inexistindo exames específicos que sinalizam o contrário, sua personalidade não pode ser considerada desfavorável.

 

O motivo para a prática do crime é altamente reprovável, haja vista que o recurso foi utilizado para incrementar o caixa 2 da campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao cargo de Governador do Estado de Minas Gerais.

 

Analisadas as circunstâncias do crime (tempo, lugar e maneira de agir) as mesmas são desfavoráveis, posto que foi simulado um patrocínio de um evento tão importante para o turismo de Minas Gerais com o intuito de desviar recursos públicos à campanha de reeleição do acusado Eduardo Azeredo.

As consequências do crime são muito graves, posto que, além de frustrar o pleito eleitoral com uma concorrência absolutamente desleal diante do descompasso econômico entre os candidatos que o caixa 2 propicia, o recurso deixou de ser investido no interesse e no bem-estar da população mineira.



A vítima que, em última instância, é todo o povo mineiro, não contribuiu para o delito e nem estimulou a conduta do réu.



Assim, considerando que parte do conjunto das circunstâncias judiciais é desfavorável ao acusado, fixo a pena-base em 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de detenção, por ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

 

Inexistem atenuantes ou agravantes a serem consideradas, ficando a pena intermediária no patamar da pena-base.

 

Inexistem causas de aumento ou diminuição de pena, resultando numa pena final em 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de detenção.

 

Fixo o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada, nos termos do art. 33, §2º, “c”, e §3º, do Código Penal.

 

Deixo de aplicar o disposto no art. 44 e art. 77, ambos do Código Penal, bem como a regra descrita no art. 383, §1º, do Código de Processo Penal em razão da incidência do instituto da prescrição.

 

3.1 - Decisões Finais

 

Transitada em julgado, venham os autos conclusos para declaração de extinção da punibilidade.

 

Custas pelo acusado.

 

P.R.I.

 

Belo Horizonte, 31 de outubro de 2017.

 

 

Lucimeire Rocha

Juíza de Direito