Processo:0024.08.157.861-9
Requerente: Fernando Soares Diniz
Requerido: Município de Belo Horizonte
Ação Ordinária
2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal
Fernando Soares Diniz ajuizou a presente Ação Ordinária contra Município de Belo Horizonte, todos qualificados nos autos.
Alegou que reside em local onde não existe bueiro ou outro mecanismo próprio para escorrer água pluvial.
Sustentou que já clamou junto ao requerido uma providência para sanar o problema de invasão de água, frequente nas épocas de chuva, tendo inclusive protocolado pedidos para colocação de bueiros, mas não obteve qualquer resposta.
Afirmou que sua moradia ficou tomada por um grande volume de água, barro e que sofreu prejuízos em seus bens .
Sustentou a responsabilidade do Município por omissão e seu dever de reparar os danos causados e aduziu a não ocorrência de caso fortuito ou força maior.
Pugnou pela indenização pelos danos materiais e morais suportados, assim como pela assistência judiciária gratuita e juntou documentos (fls. 02/31).
O Município de Belo Horizonte apresentou contestação, onde alegou que preliminar de ilegitimidade ativa, por entender que não restou comprovado nos autos que o requerente é o legitimo proprietário dos bens tidos como danificados pela enchente noticiada.
Sustentou a ilegitimidade passiva do Município de Belo Horizonte, uma vez que a manutenção e instalação de bueiros destinados à captação e drenagem das águas pluviais não são de responsabilidade direta do Município, sendo competência da SUDECAP.
Explanou sobre a excludente de responsabilidade civil da Administração Pública, uma vez que os prejuízos supostamente sofridos pelo requerente foram provocados por temporal atípico que assolou a região onde reside o requerente naquela oportunidade.
Aduziu sobre sua responsabilidade subjetiva, sustentou e reiterou a alegação de caso fortuito, impugnou as demais alegações do requerente e juntou documentos (fls. 36/63).
O requerente impugnou a contestação, onde reiterou os termos da inicial (fl. 64).
O Município de Belo Horizonte afirmou que não pretendia produzir provas em audiência e requereu que fosse oficiado o Serviço de Meteorologia do Ministério da Agricultura, para verificar o índice pluviométrico na data da aludida enchente (fl. 66).
O requerente pugnou que fosse realizada a produção de provas documental, pericial e testemunhal (fl. 68).
O instituto Nacional de Meteorologia apresentou os documentos requisitados(fls. 74/78).
O Município de Belo Horizonte se manifestou sobre os documentos de fls. 74/78, e reiterou os termos da contestação (fl. 80), assim como o requerente, que reiterou os termos da inicial (fls. 82/83).
Foi facultada às partes a apresentação de razões finais (fl. 84).
O Município de Belo Horizonte apresentou memoriais (fls. 85/88).
O requereente agravou do despacho que encerrou a fase de instrução, facultando às partes a apresentação de memoriais (fls. 90/91).
O referido despacho foi retificado e o requerente foi intimado para informar se pretendia arcar com o ônus da prova pericial (fl. 93).
O requerente pugnou para que o CREA indicasse profissional apto a realizar perícia no caso em comento (fls. 94/97).
Foi nomeado perito para realizar perícia e as partes foram intimadas para apresentarem quesitos e indicarem assistentes técnicos (fl. 101). O Município nomeou assistente técnico e apresentou quesitos (fls. 103/105). O requerente apresentou quesitos (fls. 108/110).
O valor dos honorários periciais foi arbitrado em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). O laudo pericial foi juntado (fls. 118/132).
As partes se manifestaram sobre a perícia (fls. 133/135 e 137), e o perito prestou esclarecimentos (fls. 139/140).
O Município de Belo Horizonte se manifestou sobre os esclarecimentos e reiterou o requerimento de nulidade da prova pericial (fl. 140-v).
O requerimento de nulidade de prova testemunhal foi indeferido, assim como o pedido de produção de prova testemunhal e foi facultada às partes a apresentação de memoriais (fl. 142).
O Município apresentou memoriais (fl. 143).
Relatei.
Decido.
Trata-se de Ação Ordinária proposta por Fernando Soares Diniz contra o Município de Belo Horizonte.
Discute-se nos autos o direito do requerente a indenização pelos danos materiais e morais suportados causados por inundação decorrente de suposta omissão do Município de Belo Horizonte ao não instalar bueiros para captação e drenagem de água pluvial.
Preliminar de ilegitimidade ativa do requerente.
O Município de Belo Horizonte alegou que é necessário estabelecer um vínculo entre o titular da ação e a pretensão aforada pelo requerido.
Conforme documentos de fls. 19/23, foi o requerido quem arcou com o ônus referentes ao conserto dos bens danificados em decorrência do infortúnio.
Rejeito a preliminar.
Preliminar de ilegitimidade passiva.
O Município de Belo Horizonte alegou que o requerente atribuiu o infortúnio à falta de instalação e manutenção de bueiros destinados à captação e drenagem das águas pluviais, que não são de responsabilidade direta do Município. Sustentou que a manutenção e instalação desses bueiros são de competência da SUDECAP.
Entretanto, mesmo que à SUDECAP seja atribuída a responsabilidade pela instalação dos bueiros destinados à captação e drenagem das águas pluviais e da execução e manutenção das obras na capital, o Município de Belo Horizonte não deverá ser afastado do polo passivo da lide, pois a administração direta possui responsabilidade pelo plano de obras, planejamento e execução dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, nos termos da lei 9.987/95, artigo 3°, in verbis:
Artigo 3º: As concessões e permissões sujeitar-se-ão à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação, com a cooperação dos usuários.
Dessa forma, agindo a Administração Direta do Município nos serviços de planejamento e execução do abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como na elaboração de programa gerencial das obras de conservação viária, patente a legitimidade passiva do ente municipal para figurar no polo passivo da presente demanda.
Rejeito a preliminar.
Preliminar de Excludente de Responsabilidade Civil da Administração.
O Município de Belo Horizonte alegou que o ato ou fato de terceiros exclui a responsabilidade da Administração. Segundo ele, o evento danoso teria sido causado por um temporal atípico fortuito que assolou a região naquela oportunidade, uma chuva torrencial que teria se tornado frequente graças ao fenômeno do aquecimento global e do efeito estufa.
Todavia, constato que mesmo que a precipitação pluviométrica tenha sido elevada na referida data em que ocorreu o infortúnio (fl. 76), esta não se aproximou de nenhum recorde histórico de precipitação, sendo, portanto previsível, competindo ao Município de Belo Horizonte agir para prevenção deste e de danos vindouros. Urge salientar que o próprio requerido afirmou que as chuvas torrenciais estão se tornando comuns.
Rejeito a preliminar.
Mérito.
No que se refere à culpa e ao nexo de causalidade em relação ao requerido, cumpre perquirir se cabível ou não a responsabilização objetiva do ente público. Historicamente passamos por diversas fases no reconhecimento da responsabilidade civil do Estado.
Inicialmente, a teoria da responsabilidade por culpa administrativa dominava a matéria. Consistia em que só havia responsabilidade do Poder Público quando ficasse provado que os seus órgãos ou representantes agissem culposamente, por ação ou omissão, ofendendo terceiros. Esta teoria era chamada, também, de subjetiva, uma vez que era baseada no elemento humano.
A seguir, sucedeu-lhe a teoria do acidente administrativo. Por ela, o agente público deixou de ser julgado, passando a sê-lo o serviço. Os franceses contribuíram fortemente para a sua construção, sob o fundamento da faute du service publique.
Constata-se que ela marca originalmente o princípio geral da perfeição e da continuidade do serviço público, erigindo essa qualidade como uma das obrigações do Estado. Em resumo, se o serviço é realizado e disso resultar dano para o administrado, está configurada a responsabilidade do Estado, independentemente da apuração da culpa e da distinção entre atos de império e atos de gestão. Essa teoria, considerada a primeira com caracteres objetivos, evoluiu para a teoria do risco ou teoria objetiva. Segundo sua pregação, o Estado é a síntese patrimonial de todos os contribuintes, pelo que deve resguardar a absoluta igualdade dos administrados diante dos ônus e encargos públicos. Por a atividade pública possibilitar danos ao administrado, cria para este um Estado de desigualdade quando a ação estatal produzir lesão e de modo concreto atingir o patrimônio ou o direito do particular. Inspirado, portanto, no risco e na solidariedade social, essa teoria aponta a responsabilidade do Estado por atos de omissões prejudiciais de seus agentes, ou por fatos ocorridos em consequência de o administrado demonstrar a culpa da Administração.
É de ser registrado, por último, que a corrente objetiva evoluiu para prestigiar a denominada teoria do risco integral. Por esta, havendo dano ao particular, e presente o nexo causal (Estado - omissão ou ação do agente - dano ao administrado), haverá responsabilidade, sem campo para a indagação a respeito da ausência de culpa da Administração ou mesmo culpa concorrente.
Inquestionável a adoção no Brasil da teoria do risco integral a orientar a responsabilidade civil do Estado, por força do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e suas consequências práticas para a labuta diária do operador do direito é demarcada pelo mestre Hely Lopes Meirelles:
“O exame do dispositivo releva que a constituinte estabeleceu para todas as atividades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados... (In, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 17ª ed., p. 558)”.
E arremata:
“Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e
demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o
dano, bem como o seu montante. Comprovados estes dois elementos, surge
naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se desta obrigação
incumbirá à Fazenda Pública comprar que a vítima concorreu com culpa ou
dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da
vítima subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa
da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial,
reparte-se o quantum da indenização. (ob. cit. p. 563).”
Da visão doutrinária a responsabilidade do Estado por danos decorrentes da ação ou omissão de seus agentes não há discrepância, tanto que o próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou mais de uma vez sobre a relevante questão, sob a roupagem de diversas hipóteses.
A conclusão tanto doutrinária quanto a construção pretoriana não deixa dúvida de que na hipótese de ação ou omissão do agente público, para que haja possibilidade de se obter indenização por danos causados, deverá o lesado demonstrar tão somente a existência dos três elementos indispensáveis à subsunção do fato à norma constitucional, não havendo, em qualquer hipótese, a necessidade de se perquirir sobre a culpa ou não do agente na eclosão do evento danoso.
Sinteticamente deverá o lesado demonstrar a ação ou omissão administrativa do agente, o dano e nexo de causalidade entre ambos.
É certo que a casuística de cada uma das situações que levaram ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado, sustentam uma ampla diversidade e reais colisões metodológicas e interpretativas que muitas vezes deixam o operador do direito e os próprios advogados, atônitos com as multiplicidades de decisões que à primeira vista, parecem absolutamente colidentes.
No caso dos autos, não há dúvida alguma de que a pretensão de responsabilidade assenta-se nas condições do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que dispõe:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Neste contexto, dúvida não há do nexo de causalidade entre a omissão do Município e o dano noticiado na inicial, restando, por conseguinte a discussão acerca das condições de afastamento da responsabilidade do Estado.
Sustenta a Administração que o acidente teria ocorrido por temporal atípico que assolou a região, entretanto, constato que mesmo que a precipitação pluviométrica tenha sido elevada na referida data em que ocorreu o infortúnio (fl. 76), esta não se aproximou de nenhum recorde histórico de precipitação, sendo, portanto previsível, competindo ao Município de Belo Horizonte agir para prevenção desse e de danos vindouros.
Numa análise das provas acostadas aos autos, constato que a perícia averiguou que a região onde o requerente reside, possui todas a infraestrutura básica necessária à implantação de imóveis residenciais ou comerciais, com deficiência, porém, de sistema de escoamento de água pluvial nas proximidades do imóvel do requerente. A mencionada perícia constatou que ainda existe risco de inundação no referido local e concluiu que o sistema público de escoamento de águas pluviais não está funcionando adequadamente, o que vem causando inundações no imóvel do requerente.
Evidencia-se, portanto, a existência de nexo de causalidade entre o evento danoso noticiado e a falta de serviço, não havendo que se falar em afastamento da responsabilidade do Município de Belo Horizonte pelos eventuais danos suportados pela requerente em razão do evento danoso e entendo ser legítimo o pedido de indenização pelos danos morais e materiais sofridos.
No tocante ao quantum da indenização, em se tratando de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, visando castigar o causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, de caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido.
Atualmente, a convicção difundida por nossos Tribunais é no sentido de que a fixação do dano moral cabe ao prudente arbítrio do magistrado, que deverá sopesar, dentre outros fatores, a gravidade do fato, a magnitude do dano, a extensão das sequelas sofridas pela vítima, a intensidade da culpa, as condições econômicas e sociais das partes envolvidas, de forma a proporcionar ao ofendido uma satisfação pessoal, de maneira a amenizar o sentimento do seu infortúnio. Vejamos a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Resta para a Justiça, a penosa tarefa de dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários. O problema haverá de ser solucionado dentro do princípio do prudente arbítrio do julgador, sem parâmetros apriorísticos e à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do nível sócio-econômico dos litigantes e da maior ou menor gravidade da lesão." (Revista da AMAGIS, vol. XX, ano XI, julho-91, p. 445).
Sopesando os elementos trazidos aos autos, arbitro a indenização por dano moral no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) valor que a meu ver, mostra-se suficiente para abrandar os sofrimentos suportados pelo requerente.
Em que pese o pedido de indenização pelos danos materiais, o requerente apenas comprovou os gastos decorrentes do infortúnio no importe de R$ 2.387,60 (dois mil trezentos e oitenta e sete reais e sessenta centavos), conforme documentos de fls. 19/22.
Diante do exposto, julgo procedente o pedido desta Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais proposta por Fernando Soares Diniz contra o Município de Belo Horizonte, para condenar o requerido ao pagamento de R$ 2.387,60 (dois mil trezentos e oitenta e sete reais e sessenta centavos) devidamente atualizados desde a data do dano, nos termos das súmulas 43 e 54 do STJ, a titulo de danos materiais e R$15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, com juros de 1% ao mês e correção monetária desde a publicação desta sentença.
Fixo honorários advocatícios em dez por cento do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3°, I do Código de Processo Civil.
Condeno o requerido ao pagamento de honorários periciais, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), e que devem ser corrigidos desde a data da entrega do laudo.
O Município de Belo Horizonte é isento das custas processuais por força de lei, nos termos do artigo 10, inciso I, da lei estadual nº 14.939/2003.
Sentença não sujeita a remessa necessária, nos termos do artigo 496, § 3º, III, do Código de Processo Civil.
Transitada em julgado, ao arquivo com baixa.
Publique-se. Registre-se.
Intimem-se. Cumpra-se.
Belo Horizonte, 09 de maio de 2017.
Rinaldo Kennedy Silva
Juiz de Direito