2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias
Comarca de Belo Horizonte
PROCESSO N. 2447491-38.2013
REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSOS PARA CARTÓRIOS - ANDECC
REQUERIDOS: ESTADO DE MINAS GERAIS E OUTRO
NATUREZA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR
D E C I S Ã O
Vistos, etc...
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSO PARA CARTÓRIOS - ANDECC, devidamente qualificada e representada nos autos, propõe ação civil pública com pedido de liminar em face do ESTADO DE MINAS GERAIS e de DIRCEU PINTO DE OLIVEIRA, na qual alega que:
- o art. 236 da CF/88 estabelece que o serviço notarial e registral é de natureza pública, devendo ser delegado a particulares mediante concurso público de provas e títulos;
- já em âmbito estadual, o art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias instituiu a efetividade das serventias declaradas vacantes e assumidas pelo substituto do titular considerável estável na função (art. 19 do ADCT), desde que o ato de vacância seja anterior à regulamentação da matéria por lei federal;
- em face do possível traço de inconstitucionalidade daquele dispositivo, foi ajuizada a ADI 2.961, restando prejudicada em virtude da revogação do art. 66 do ADCT pelo art. 4º da Emenda à Constituição Mineira 69, de 21/12/2004;
- “Não obstante, os notários e registradores cujos títulos de outorga baseiam-se no referido artigo continuam, até hoje, prestando o serviço. É o caso do titular da serventia.”;
- “O título de investidura acima referido, portanto, perdeu seu fundamento de validade. A manutenção do responsável pela serventia constitui situação flagrantemente irregular e antijurídica.”;
- “...o §2º do art. 66 do ADCT Mineiro padecia de manifesta inconstitucionalidade por violar o art. 37 da Magna Carta e, sobretudo, o §3º do art. 236 da Magna Carta e seria irremediavelmente declarado inconstitucional pelo STF, se não fosse a bem sucedida manobra orquestrada de sua revogação pelo art. 4º da Emenda à Constituição do Estado de Minas Gerais n. 69, de 21 de dezembro de 2004.”.
Em sede liminar, requer a concessão de medida para: i) declarar a inconstitucionalidade incidenter tantum do art.66 do ADCT Mineiro; ii) suspender os efeitos do ato de outorga de delegação da serventia; iii) declarar vaga a serventia; iv) determinar o afastamento de seu titular e a nomeação de seu substituto legal para exercer interinamente a função; v) determinar a inclusão da serventia em concurso público no prazo máximo de seis meses; e iv) comunicar o fato à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais para a publicação da declaração de vacância no Diário do Judiciário e adoção dos demais procedimentos necessários ao provimento da serventia.
Documentos carreados às fls. 34/149.
Intimado quanto à pretensão liminar, o ESTADO DE MINAS GERAIS apresentou manifestação às fls. 160/168, suscita, em preliminar, a inexistência dos requisitos necessários ao provimento liminar (fumus boni iuris e periculum in mora), bem como destaca o esgotamento do objeto através da concessão da medida pleiteada.
No mérito, destaca a ocorrência da prescrição quinquenal como óbice ao questionamento de validade do referido ato de delegação, além de se aplicar ao caso a teoria do fato consumado.
É o relatório. DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO:
I – DA DECADÊNCIA:
Com relação à inexistência da decadência, coaduno com o entendimento do autor, já que o pedido formulado de declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 66, § 2º do ADCT/MG, reveste de cunho declaratório, e, portanto, de natureza imprescritível.
Esse é o entendimento também de Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
"(...) se a ação ajuizada for, do ponto de vista técnico, simplesmente declaratória, sua finalidade será apenas a de certificar uma situação jurídica da qual pende dúvida, o que jamais poderia ser objeto de prescrição.
Todavia, se a ação declaratória de nulidade for cumulada com pretensões condenatórias, como acontece na maioria dos casos de restituição dos efeitos pecuniários ou indenização correspondente, admitir-se a imprescritibilidade seria atentar contra a segurança das relações sociais. Neste caso, entendemos que prescreve sim a pretensão condenatória, uma vez que não é possível retornar ao estado de coisas anteriores. (...)
Em síntese: a imprescritibilidade dirigi-se, apenas, à declaração de nulidade absoluta do ato, não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes." (in Novo Curso de Direito Civil. Parte geral, vol. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 403-404)
No mesmo sentido Humberto Theodoro Júnior:
"(...) Para as declaratórias não há prazo extintivo, simplesmente porque se destinam a eliminar incerteza jurídica, e a incerteza não desaparece só pelo decurso do tempo.
Mas se é certo que a nulidade, em si, não pode se sujeitar aos efeitos da prescrição, das situações que o negócio jurídico inválido cria podem perfeitamente decorrer pretensões que hão de sofrer os efeitos naturais da prescrição (exemplo: restituição de bens ou preço, indenização de prejuízos, etc., as quais terão de submeter-se aos efeitos da prescrição).
Correta nesta ordem de idéias, a observação de FRANCISCO AMARAL de que o direito de propor a ação de nulidade é imprescritível, ou seja, não se extingue pelo decurso do tempo, embora se reconheça que a situação criada pelo negócio jurídico nulo se possa convalidar pelo tempo decorrido, no prazo e na forma da lei." (in Comentários ao Novo Código Civil. Vol. III, Tomo I, Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 527 e 528)”
Assim, o cunho declaratório do provimento judicial que se pretende é imprescritível. Os reflexos daí decorrentes na esfera patrimonial é que prescrevem.
II - DA PRESCRIÇÃO:
Também é de se recharçar a figura da prescrição invocada pelo Estado de Minas Gerais em sua resposta. Como é cediço, a delegação do serviço notarial e de registro somente pode ser concedida aos indivíduos que restarem habilitados em concurso público voltado ao provimento das serventias declaradas como vagas (art. 236 da CF/881).
Nesse ensejo, vislumbra-se a clara e inequívoca intenção do Poder Constituinte Originário ao impor o acesso igualitário e impessoal das delegações de serviço notarial e de registro por meio do concurso público.
Por corolário, não se pode invocar a tutela à segurança jurídica para se reconhecer a prescrição sobre atos administrativos diretamente contrários à expressa determinação constitucional.
Nesse sentido, o Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou no julgamento do Mandado de Segurança n. 1.0000.12.132960-1/000:
“A concessão para a delegação de serviço público é o contrato por meio do qual se delega a prestação de um serviço público sem conferir-lhe a titularidade, pelo que atua o agente em nome do Estado (Lei 8987/95 e Lei 9074/95).
Destarte, embora não seja, nos seus estritos limites, uma delegação típica de serviço público, tal como prevista no art. 175 da CF ("incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos"), a delegação do serviço cartorário (restrita a pessoas físicas) também não se mostra imune ao concurso público.
É verdade que, algumas vezes, quando se cuida de servidor público strictu sensu, as razões invocadas pelo réu são, em nome da segurança jurídica, acatadas pela jurisprudência; não assim, porém, nas delegações e concessões de serviço público, em que a regra de licitação, como quer a Constituição e as próprias leis que regulam a matéria, é inafastável.
Na realidade, o acatamento da tese da segurança jurídica implicaria, se aceita, na impossibilidade da realização de quase todos os concursos públicos já promovidos neste país para implementar a delegação dos serviços cartorários. Voltaríamos ao tempo - recente, sem dúvida, mas esquecido - da mera hereditariedade em tais provimentos, hereditariedade que agride a moderna consciência do direito administrativo pós-constitucional.
É até mesmo impensável a possibilidade - admissível, em tese - de que um precedente como o de que aqui se cogita pudesse levar à nulidade de todos os concursos já realizados e/ou em andamento.”.
Corroborando com esse entendimento, o Conselho Nacional de Justiça também já se pronunciou de maneira a repelir tal pretensão, nos seguintes termos:
"PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DELEGAÇAO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO SEM A REALIZAÇAO DE CONCURSO PÚBLICO. ACUMULAÇAO. COMPETÊNCIA. PRESCRIÇAO ADMINISTRATIVA. Nos termos do art. 236, § 3º, da CF/88, a outorga de delegação de serviço notarial e de registro depende de prévia aprovação em concurso público. A inobservância da exigência de concurso público encerra flagrante ofensa à CF que não pode ser superada pela incidência de dispositivos infraconstitucionais, como o art. 54 da Lei 9.784/99 e bem ainda o art. 49 da Lei n. 8.935/1994, sob pena de subversão das determinações insertas na Lei Maior do País. Precedentes do STF e deste Conselho. No caso, o ato de anexação dos serviços de registro de imóveis e de registro civil foi revisto pela autoridade atualmente competente para tanto, e, mais, observando-se o disposto no art. 26 da Lei n. 8.935/1994. Pedido improcedente. (CNJ - Procedimento de Controle Administrativo nº 0008131-42.2010.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - DJ 13.05.2011).
Em face desses argumentos, afasto a preliminar da prescrição e, em ato contínuo, passo à análise do pedido liminar formulado.
II – DO PEDIDO LIMINAR
Para a concessão de medida liminar em sede de ação civil pública demanda a coexistência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, devendo proceder-se à análise perfunctória sobre tais pilares (art. 12 da Lei n. 7.347/852).
No caso vertente, a associação autora suscita eventual ilegalidade no ato de delegação de serventia de notas ao segundo requerido, tendo em vista a suposta inconstitucionalidade de seu fundamento legal.
Pois bem.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 236, estabeleceu que os serviços notariais e de registro seriam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, por meio de concurso público, tendo a Lei n. 8.935, de 18.11.1994, regulamentado a atividade.
Assim, após a Carta de 1988, o ingresso no serviço notarial e de registro se dá tão-somente mediante concurso público, excetuando-se os casos abrangidos pelas regras constitucionais transitórias estabelecidas pelo artigo 19 do ADCT3 da Carta Magna de 1988 e pelo § 2º do art. 66 do ADCT4 da Constituição Mineira (vigente à época da transição).
Nesse ensejo, o art. 19 do ADCT da CF/88, prevê a estabilidade para aqueles que ingressaram no serviço público no quinquídio anterior à promulgação da Constituição Federal, que não haviam sido admitidos na forma do art. 37, da CF (por meio de concurso público).
E, valendo-se dessa regra de transição, o § 2º do artigo 66 do ADCT da CEMG, estabelecia a hipótese de o substituto da serventia declarada vaga se efetivar sem a prévia aprovação em concurso público, desde que o pretendente fosse estável no exercício da função, nos exatos termos do art. 19 do ADCT da CF/88.
Posteriormente, o referido art. 66 do ADCT foi expressamente revogado pelo art. 4º da Emenda à constituição de Minas Gerais de 1969, em 21.12.2004, publicado em 05.01.2005.
Assim sendo, vale registrar que a ADIN nº 2961/MG aonde se buscava justamente a declaração da inconstitucionalidade do referido art. 66 , § 2º perdeu o objeto, nos termos do entendimento pacificado da excelsa Corte de que: “se a norma inquinada de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato deixa de integrar o ordenamento jurídico, porque revogada, torna-se insubsistente o interesse de agir, o que implica prejudicialidade, por perda do objeto.” ( Min. Maurício Correa ).
Contudo, revela esclarecer que, a perda do objeto deu-se em sede de controle concentrado, pois o alcance do resultado da ADIN , que seria a extirpação da regra tida por inconstitucional do ordenamento jurídico, ocorreu com a própria revogação da norma feita pelo Poder Legislativo.
Assim sendo, o fato de ter exaurido o escopo da ADIN, não impede a análise daquele mesmo dispositivo, quando ainda existia no mundo jurídico, em sede de controle difuso. Não é porque a regra deixou de viger, que não deixou seus rastros e gerou consequências até o momento de sua revogação e mesmo depois. Exatamente por conta disso, entendo perfeitamente possível que se analise a constitucionalidade incidental do art. 66, em seu § 2º do ADCT/MG enquanto vigeu.
Isso é a dedução lógica. Ora, se um ato é baseado num dispositivo que lhe confere ultratividade, imperiosa a avaliação de sua constitucionalidade, vez que tal norma continua produzindo efeitos até o momento presente, em que pese já não mais existir no ordenamento jurídico.
Dentro desse contexto, passamos à verificação da constitucionalidade do art. 66, § 2º do ADCT/MG.
Salta aos olhos a referida inconstitucionalidade, haja vista que a Constituição Federal de 1988 determinou que , a partir de sua vigência, todos os atos de delegação dos serviços notariais e registrais deveriam ocorrer por concurso público. O fato da regulamentação do § 3º do art. 236 da Lei Maior somente ter ocorrido em 1994 com a Lei 8.935/94, não autoriza ignorar o comando constitucional e proceder a delegações anômalas e bizarras , tal qual a prevista no § 2º do art. 66 do ADCT.
Esse dispositivo agrediu frontalmente a regra do concurso publico, ao admitir a efetivação de substitutos das serventias notariais e de registro na qualidade de titulares das mesas, com base no art. 19 do ADCT.
Ora, a norma do art. 19 do ADCT refere-se exclusivamente aos servidores públicos que, na data da promulgação da Constituição Republicana contassem com pelo ao menos cinco anos continuados e que não tivessem realizado concurso público, sendo então considerados estáveis no serviço público.
No entanto, dispôs o art. 48 da Lei 8.935/94:
“Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.
§1º – “omissis”
§2º - Não ocorrendo a opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei.” ( grifo nosso).
Desta feita, a Lei n. 8.935/94 teria criado a possibilidade de se enquadrar os serventuários do foro extrajudicial no mesmo tratamento dispensado aos servidores públicos.
Via de consequência, além de usufruírem da estabilidade anômala do art. 19 do ADCT essa espécie de servidores ainda se valeu da mesma regra para obterem a benesse do art. 66, § 2º do ADCT.
Contudo, o Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais já proferiu julgado no qual tal entendimento restou fulminado, conforme se depreende da leitura de seu aresto:
REEXAME E APELAÇÃO CÍVEL - CARTÓRIO DO REGISTRO DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELAS DA COMARCA DE NEPOMUCENO - ESCREVENTE - REGIME JURÍDICO DISTINTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - ESTABILIDADE ANÔMALA - ART. 19 DO ADCT - INAPLICABILIDADE - PRECEDENTES DO EGRÉGIO STJ E DO SODALÍCIO MINEIRO. - A estabilidade anômala, prevista no art. 19 do ADCT da CR/88, não se estende aos serventuários dos cartórios do foro extrajudicial, pois a respectiva atividade é exercida em regime de direito privado, em virtude de delegação do Poder Público, com remuneração auferida através das tarifas pagas pelos usuários. (TJMG - Relator: Des.(a) EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS - Número do processo: 1.0024.08.943035-9/002 - Data do Julgamento: 21/07/2009 - Data da Publicação: 01/09/2009) - A jurisprudência do STF e do STJ, sob inspiração da melhor doutrina, afirma que: a) Os notários e registradores não são servidores públicos em sentido específico, não se submetendo às regras de aposentadoria e de vínculo típicas dos estatutários. (RMS 26503/PI, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 15/05/2008) - Primeiro recurso provido. - Segundo recurso prejudicado. (Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.08.135013-4/001, Rel. Des.(a) Heloisa Combat, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/06/2011, publicação da súmula em 08/08/2011)
No mesmo sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça proferiu o seguinte julgamento:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA FÁTICA. EXAME. IMPOSSIBILIDADE.
ESCREVENTE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. ESTABILIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em ofensa ao art. 535, II, do CPC, não se devendo confundir "fundamentação sucinta com ausência de fundamentação (REsp 763.983/RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJ 28/11/05).
2. Fixada a premissa pelo Tribunal a quo acerca das atribuições exercidas pela ora agravante no Cartório de Registro Civil de São Pedro da Garça/MG, rever tal entendimento demandaria o exame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. "A estabilidade extraordinária prevista no art. 19 do ADCT não se aplica aos serventuários de cartórios, na medida em que as atividades de cartório são exercidas em regime de direito privado, em virtude de delegação do poder público, sendo, pois, inviável o aproveitamento de determinados institutos estatutários" (RMS 16.208/MG, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 12/8/03).
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 7.237/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 09/09/2011)
Debruçando-se sobre esses entendimentos jurisprudenciais, verifica-se que nenhum vínculo se estabelece entre o titular interino e a Administração Pública, através do art. 19 do ADCT que se reserva aos servidores públicos.
Destarte, a estabilidade prevista pelo art. 19 do ADCT não se estende aos serventuários do foro extrajudicial, justamente pelo fato de seu vínculo não tem bases no serviço público.
Assim, o art. 19 do ADCT jamais poderia ter servido de sustentação para declarar-se a estabilidade de titulares interinos nas respectivas serventias em que se encontravam, tal qual autorizou o art. 66, § 2º, desprezando por completo a regra do concurso público determinada no § 3º do art. 226.
Os constituintes estaduais tentaram outorgar um benefício que ultrapassa os limites do artigo 19 do ADCT, o que não pode perpetuar.
Não se pode olvidar, por oportuno também, o resultado da ADIN 2602, que tem efeito vinculante e ex tunc, vinculante e erga omnes, e consolidou o entendimento pelo qual não há como se considerar os servidores de serventias extrajudiciais – escreventes e auxiliares de cartório – como servidores públicos, eis que não ocupantes de cargo público efetivo no serviço público estadual, in verbis:
“EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. 3. Servidores de notários e registradores das serventias extrajudiciais. Não são servidores públicos. Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Art. 40 da Constituição Federal. Inaplicabilidade. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 655378 AgR/PE – PERNAMBUCO. AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 26/02/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma ) - sem grifos no original
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros , do Distrito Federal e dos Municípios --- incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público --- serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 --- aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 2602 / MG - MINAS GERAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA
Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU
Julgamento: 24/11/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno ) - sem grifos no original ( GN)
Importante registrar que, em razão do exposto e do próprio efeito ultrativo que tem até hoje o art. 66, § 2º do ADCT, - prova disso é o fato do autor, como titular interino ainda estar à frente das serventias - torna-se imperioso extirpar os efeitos do referido dispositivo, já que pela via da ação direta , como dito, nada mais há que se possa ser declarado. Daí o risco da demora evidenciado, a justificar a concessão da liminar.
Também é importante salientar que, na ADIN 2379-9 aonde se questionou a constitucionalidade da Lei n. 13.724/2000 foi deferida liminar para suspender seus efeitos, com eficácia ex tunc e ainda, com a extensão ao art. 66, § 2º do ADCT. Nesse sentido, alertou o Min. Sepúlveda Pertence:
“Diante do esclarecimento da própria petição inical, observo que o direito substancial a essa efetivação foi dado pelo ADCT do Estado, cingindo-se a lei questionada a disciplinar-lhe o procedimento. Desse modo, a eficácia desta suspensão cautelar é relativa. Não quero suspeitar de que virá outra lei, mas só com a suspensão do próprio ADCT é que a fonte secará. De qualquer forma, por ora, suspende-se a execução do ADCT, por via indireta.”
Contudo, como já dito, com a revogação do art. 66 do ADCT e a perda do objeto das Adin 2379-9 e 2961, a liminar também perdeu a eficácia , de sorte que os efeitos do art. 66 , § 2º do ADCT permanecem, o que justifica o interesse de agir da associação autora e a urgência da medida.
Assim, não se cogita de qualquer direito adquirido em face do art. 66. Não se pode autorizar que tenha tido esse regramento eficácia até o advento da Lei Federal n. 8.935/94 que regulamentou o art. 236 da CR/88, pois desde nasceu sob a pecha de inconstitucionalidade.
Esse entendimento não diverge da jurisprudência do STJ que se firmou no sentido de que o substituto do titular de serventia extrajudicial não tem direito adquirido a ser efetivado no cargo de titular na hipótese de ter ocorrida a vacância após a vigência da Constituição da República de 1988, que exige a realização de concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro.
Neste sentido, confira-se:
“Agravo regimental no recurso extraordinário. Ausência de prequestionamento. Ofensa reflexa. Serventias extrajudiciais. Vacância da função de titular após a vigência da Constituição de 1988. Direito adquirido do substituto. Inexistência. Reexame de provas. Impossibilidade em recurso extraoridnário. 1. O Tribunal 'a quo' não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência das Súmulas ns 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisidicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. 3. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que a investidura na titularidade de serventia cuja vaga tenha ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988 ( art. 236, § 3º) depende da realização de concurso público de provas e títulos, não configurando direito adquirido ao provimento, por parte de quem haja preenchido, como substituto, o tempo de serviço contemplado no art. 208, acrescentado à CB/67 pela Emenda n. 22 de 1982. Precedentes. 4. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Fedderal. Agravo regimental a que se nega provimento.” ( RE 597.416-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Truma, DJE 21.5.2009) – original com grifo.
Destarte, existe o vício de inconstitucionalidade a inquinar o ato de delegação combatido neste feito, tendo em vista a eficácia ultrativa do §2º do art. 66 do ADCT Mineiro que permanece com toda sua força.
Em face de todo esse contexto, vislumbra-se a existência de fundamentos válidos a demonstrar a plausibilidade do direito invocado, devendo, portanto, se deferida a pretensão liminar pretendida.
C O N C L U S Ã O
Diante do exposto, DEFIRO o pedido liminar formulado por ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSO PARA CARTÓRIOS–ANDECC, para declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 66 do ADCT/MG e, via de consequencia, suspender os efeitos da outorga da delegação da serventia, declarando-a vaga e determinando o afastamento do titular, devendo ser nomeado substituto legal, nos termos do art. 39, §2º da Lei 8.935/94 e determinando que a serventia seja incluída no próximo concurso públlico .
Citem-se os réus com as cautelas de estilo.
P.R.I.
Belo Horizonte, 17 de setembro de 2013.
Lílian Maciel Santos
Juíza de Direito
1Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
2Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.
§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.
3 Art. 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.
4Art. 66- Os serviços notariais e de registro ficam sujeitos aos princípios estabelecidos neste artigo, enquanto não forem disciplinados em Lei os dispositivos constantes do art.236 da Constituição da República.
§ 1º “...omissis...”
§ 2º - Tornar-se-á efetiva, em caso de vacância, a delegação dos serviços notariais e de registro em favor do substituto do titular, desde que esse possua a estabilidade assegurada pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República.