Processo nº. 024.14.149.303-1

Ação de Indenização por Dano Moral

Autor: Fernando Augusto Castanheira Grandi

Réu: Ambev S/A

Identificação do caso: Danos morais – Ingestão de objeto estranho em lata de refrigerante – Procedência

 

SENTENÇA

 

I. RELATÓRIO

 

Fernando Augusto Castanheira Grandi, qualificado nos autos, propôs a presente ação de indenização por dano moral em face de Ambev S/A, também qualificada. Alega que, ao ingerir um refrigerante da marca Pepsi de 273 ml, sabor cola, notou que havia um material metálico no interior do produto, o que, segundo a sua versão, aparenta ser um bico dosador de metal. Afirma que tal fato ocorreu em sua pizzaria, o que causou surpresa para o autor e seus clientes. Aduz que em decorrência da ingestão do produto foi levado ao hospital, tendo em vista que estava sentindo náuseas. Alega que lavrou um Boletim de Ocorrência, momento em que o produto em questão foi recolhido pela autoridade policial. Discorre sobre dano moral. Pede a procedência do pedido para que a ré seja condenada na reparação pelos danos morais suportados. Juntou documentos.

Devidamente citada, a ré apresentou defesa alegando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial. No mérito, alega a inexistência de dano moral, tendo em vista que o autor não comprovou que a ré agiu de maneira ilícita. Afirma que a parte autora não comprovou também qualquer dano causado pela ingestão do produto. Discorre acerca da impossibilidade de inversão do ônus da prova. Pugna pela improcedência do pedido. Juntou documentos.

Contestação foi impugnada pelo autor.

Saneador exarado às fls. 90/91, onde foi afastada a preliminar de inépcia da petição inicial, bem como foi indeferido a inversão do ônus da prova.

Instadas a especificarem provas, a parte autora requereu a produção de prova testemunhal e pericial. Já a parte ré requereu o depoimento pessoal do autor, oitiva de testemunhas, bem como a produção de prova pericial.

Às fls. 115 foi designada AIJ, bem como foi deferido o pedido de expedição de ofício ao Instituto de Criminalística, para que este apresentasse laudo.

Laudo Pericial do Instituto de Criminalística juntado às fls. 121/122.

Após a juntada do referido laudo, as partes foram intimadas para se manifestarem, sendo que a parte autora desistiu da produção de prova pericial, o que foi homologado às fls. 125. Já a parte ré quedou-se inerte.

AIJ realizada, conforme fls. 127/131.

As partes apresentaram suas alegações finais.

Vieram-me os autos conclusos para sentença. Em síntese, era o que tinha a relatar. Decido.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

Trata-se de ação de indenização por danos morais, em que a parte autora alega que ingeriu um produto (refrigerante) da requerida com objeto estranho em seu interior.

Preliminar de inépcia da petição inicial afastada em decisão saneadora, passo ao mérito.

A reparação do dano moral, assegurada pelo art. 5º, inciso X da Constituição Federal, visa amenizar o dano sofrido, dando algum conforto material ao ofendido. Nas palavras do Professor Antonio Chaves, citado por Clayton Reis1 o dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja dor física, (...) seja dor moral”.

Para que exista o dever de reparar o dano, o ordenamento jurídico brasileiro exige a conjugação de três elementos fundamentais que informam a responsabilidade civil: 1 - Ato ilícito causado pelo agente; 2 - Dano; 3 - Nexo de causalidade entre um e outro (art. 927 do CC/02).

Vejamos a ocorrência de ato ilícito.

Primeiramente, o caso em destaque é tipicamente uma relação de consumo e como tal viceja sob a égide da responsabilidade civil objetiva, ex vi dos artigos 12 e 18 do CDC, verbis:

Art. 12. “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos;”

 

Art. 18 “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis responde solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”.

 

Socorre o produtor ou fornecedor as excludentes do § 3°, I, II e III do artigo 12 do CDC:

Art. 12. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

No caso, nenhuma das excludentes socorre a ré. O produto é de sua fabricação, foi colocado no mercado e não foi provado que o defeito (presença de objeto estranho) inexiste.

De se dizer, a responsabilidade objetiva prescinde do elemento culpa.

Repousa ela sobre a teoria do risco do empreendimento, consentido como o perigo, a probabilidade de dano, cabendo dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. No caso do fabricante ou produtor de gênero alimentício, é o ato de colocar no mercado produto capaz de gerar dano ao consumidor, por defeito ou por ser impróprio ao consumo, como no caso destes autos.

O fato, pelas provas trazidas pelo autor, é verossímil, em vista do Boletim de Ocorrência (fls. 13/16), do depoimento de testemunhas (fls. 130/131), e do Laudo Pericial (fls. 121/122), dando conta da presença, nos termos do laudo, de um tubo metálico de cor prateada, de 8,2 cm de comprimento e 1,1 cm de diâmetro, no interior do alimento produzido pela ré. Além disso, houve ingestão do alimento, conforme se infere pelo depoimento das testemunhas, bem como diante dos relatórios médicos juntados às fls. 22/23.

De efeito, consentido o fato, há que se perquirir do dano.

A jurisprudência dominante é no sentido de que havendo ingestão do alimento, o dano moral está configurado.

Nesse sentido:

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE GARRAFA DE REFRIGERANTE CONTENDO CORPO ESTRANHO EM SEU CONTEÚDO (SEMELHANTE A PLÁSTICO). INGESTÃO REALIZADA. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. OFENSA AO DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA.
Há dano moral na hipótese em que o consumidor adquire garrafa de refrigerante com corpo estranho em seu conteúdo, mormente quando há ingestão do mesmo.
A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. A sensação de náusea, asco e repugnância que acomete aquele que descobre ter ingerido alimento contaminado por um plástico de origem desconhecida (presente na garrafa de refrigerante) traz consigo o risco de inúmeras doenças. Noto que, de acordo com as provas dos autos, o recorrente já havia consumido parte do refrigerante, ou seja, houve contato direto com o líquido e o objeto estranho (espécie de plástico), o que aumenta a sensação de mal-estar. Além disso, não cabe dúvida de que essa sensação se protrai no tempo, causando incômodo durante longo período, vindo à tona sempre que se alimenta, em especial do produto que originou o problema, interferindo profundamente no cotidiano da pessoa, conforme já afirmado em precedente do STJ (REsp 1.236.090/MG, 3ª Turma, DJe 18/05/2011). Sem dúvida, os fatos narrados nos autos causam danos morais a parte autora/consumidora do produto
Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto n o art. 8º do CDC.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0024.09.570778-2/002, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/04/2015, publicação da súmula em 28/04/2015)

 

Assim, a ingestão de um produto contendo um objeto estranho é suficiente para gerar danos morais. Não se desconhece que, em face de tal fato, em geral, a sensação de nojo, náusea e repugnância é o que acomete o consumidor de imediato, além do indiscutível risco à saúde. Esse risco se confirma diante do Laudo Pericial, que constatou ser o produto impróprio para o consumo diante da presença de tal objeto metálico (quesito 5 e 6 às fls. 122).

Certo é que o dano moral é subjetivo, prescinde de prova, porque reside na esfera íntima do indivíduo. Destarte, consubstanciado na utilização do produto, o que poderá gerar não só o dano moral, como, por óbvio, dano material.

Assim, entendo que a situação experimentada pelo autor não trata-se de mero dissabor, aborrecimento, sensibilidade exacerbada, mas sim trata-se de situação intensa e duradoura, a ponto de romper o equilíbrio psicológico da pessoa.

Não de descura de que as empresas carecem de melhorar o seu desempenho na produção de alimentos, para evitar situações que coloquem em risco a integridade física do consumidor. Para fatos como o destes autos, a empresa transgressora das regras que regem a produção e circulação de alimentos, deve ser punida pelo órgão competente, de fiscalização (Vigilância Sanitária, etc.), em face das denúncias e reclamações dos consumidores. Esta a parte punitiva.

Quanto ao dano moral, como já dito alhures, diante da situação de perigo de dano, com o consumo do alimento, tenho que ocorreu.

Por tais razões, a procedência do pedido é medida que se impõe.

Por fim, o valor a ser estipulado a título de indenização deverá visar uma real compensação e satisfação do lesado, levando em conta suas condições pessoais, a extensão e repercussão do dano, bem como a capacidade econômica do ofensor, não permitindo, no entanto, o enriquecimento sem causa, vedado por lei.

Dessa forma, fixo o valor indenizatório em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante suficiente para reparar os danos morais sofridos pela parte autora, sem caracterizar enriquecimento ilícito.

 

III. CONCLUSÃO

 

Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, nos termos do art. 487, I do CPC, para condenar a ré no pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, valor esse que será corrigido monetariamente a contar desta decisão, levando-se em conta os índices da tabela do TJMG e acrescido de juros legais de 1% ao mês, desde a data desta sentença. Condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.

Havendo recurso de Apelação, deverá a Secretaria intimar a parte contrária para contrarrazões, nos termos do art. 1.010, §1º do CPC e, após, remeter os autos ao Eg. TJMG.

Transitada em julgado a presente decisão, e nada requerendo as partes, ao arquivo com baixa.

 

P.R.I.

Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2018.

 

Jorge Paulo dos Santos

Juiz de Direito

1 Reis, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1997. pág.5