RELATÓRIO
LARA VICTORIA BATISTA RIBEIRO, qualificada nos autos, representada por sua mãe GRAZIELA BATISTA PEREIRA, propôs a presente ação de indenização, em face de HOSPITAL SOFIA FELDMAN, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
No dia 12.04.2007, por volta das 22 (vinte e duas) horas, a mãe da autora chegou ao hospital réu, já em avançado trabalho de parto, e se encontrava com 7 (sete) centímetros de dilatação, porém, somente às 06 horas da manhã do dia 13/04/2007 é que a autora nasceu, desmaiada, sendo reanimada e logo em seguida enviada ao CTI neonatal.
Afirma que todos os danos físicos suportados pela autora decorreram de problemas ocorridos por ocasião do parto, posto que havia apenas uma médica presente na maternidade e que ela teve que realizar dois partos ao mesmo tempo, ficando a mãe da autora sozinha, isolada por longos períodos de tempo sem qualquer assistência.
Diz que padece de muitas sequelas ocasionadas pela falta de assistência durante o trabalho de parto, dentre elas, paralisia cerebral, afetando de imediato a coordenação motora da autora que apresenta grandes dificuldades em movimentar os membros, não consegue caminhar e teve sua capacidade de verbalização severamente prejudicada.
Acrescenta que nenhum problema ou distúrbio na autora foi diagnosticado nos exames pré-natais realizados pela mãe da autora, o que teria contribuído ainda mais a tese de que todos os problemas decorreram do procedimento intraparto realizado junto ao hospital réu.
Pede a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais e custeio de tratamentos médicos e psicológicos decorrentes das sequelas apresentadas.
Pede que a parte ré informe da forma detalhada sobre todo o pré-natal e consultas realizadas pela genitora da parte autora antes da data do parto e desde a entrada da mãe até a alta do hospital.
Devidamente citado, o requerido apresentou defesa às f. 22/43, em que alegou que a requerente Graziela foi continuamente monitorada, com avaliações periódicas da frequência cardíaca fetal, atividade uterina e condições gerais maternas, e que a recém-nascida respondeu adequadamente às manobras iniciais de reanimação com ventilação por pressão positiva, tendo permanecido em observação.
Afirma que, somente depois de 20 (vinte) horas de vida, a autora apresentou episódio de crise convulsiva, quando foi transferida para a UTI neonatal.
Diz que, pela leitura dos prontuários, não há qualquer anormalidade dos batimentos cardíacos da criança durante o trabalho de parto que pudesse sinalizar houvesse privação de oxigênio no cérebro da recém-nascida.
Assevera que são inúmeras as causas de paralisia cerebral, podendo estar presentes desde o início da gravidez, sem que se tenha ciência desse quadro.
Sustenta que inexiste a prática de ato ilícito e que, no caso vertente, não é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, posto que não existe relação de consumo entre o requerido e suas pacientes.
Acrescenta que não restaram comprovados os elementos configuradores da responsabilidade civil.
Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial.
Impugnação à contestação às f.85/92.
Parecer do Ministério Público às fls.107.
Instadas a especificarem as provas, as partes pugnaram pela produção de documental, perícia médica, prova testemunhal e oral.
Despacho saneador às f.326.
Laudo pericial acostado às fls.275/295 e 306/309.
Audiência de instrução e julgamento realizada às fls.364/366
Os autos vieram conclusos para julgamento.
Fundamentação
Trata-se de ação de indenização mediante a qual a autora pretende ser indenizada pelos danos morais e materiais que lhe foram causados em decorrência de suposta falha na prestação do serviço pelo requerido.
A respeito da ação de indenização por ato ilícito, o art. 186 do Código Civil, estabelece:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Desta forma, temos como requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil, a saber:
1 - A Culpa;
2 – O Dano;
3 – O Nexo de causalidade.
Para que esteja caracterizada, no caso em tela, a responsabilidade civil da requerida e, por conseguinte, a obrigação de indenizar, é indispensável a presença de todos os pressupostos elencados acima. Ausente qualquer um deles, inviável o reconhecimento da responsabilidade civil.
A respeito do primeiro requisito é importante esclarecer que não é qualquer é qualquer conduta desenvolvida pelo réu que acarreta a obrigação de indenizar o autor. É indispensável a “ilicitude do comportamento lesivo intencional ou culposo”, pois somente pode ser considerado ato ilícito aquele que ocasiona um dano injusto a outrem, nos exatos termos definidos pelo art. 2.043, do Código Civil Italiano: “fato doloso o colposo, che cagiona ad altri un dano ingiusto”
Assim, somente o procedimento antijurídico, contrário a um prévio dever de conduta, leva a configuração do “ato ilícito” e à geração da consequente responsabilidade pelo ressarcimento do injusto prejuízo causado a outrem.
Ensina J.M. CARVALHO SANTOS In Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol. III, Editora Freitas Bastos, pág. 331/332.
A regra geral é que, na sistemática do Código, as obrigações derivam do ato ilícito, do contrato e da declaração unilateral de vontade. É necessário o dolo (intenção criminosa) ou a culpa (negligência ou imprudência) para que surja a obrigação de ressarcir o dano, nos termos do art. 159.
Conclui o emérito doutrinador:
É essencial que o ato seja ilícito para obrigar à reparação.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA afirma, in Responsabilidade Civil, Ed. Forense, 4ª ed., pág. 294, 1993:
Partindo deste princípio não há ilícito, quando inexiste procedimento contrário ao direito.
In specie, a autora é portadora de é portadora da paralisia cerebral grave, caracterizada por comprometimento motor (tetraplegia espástica) associado a grave comprometimento mental, da fala, percepção, comportamento e por convulsões.
Portanto, a autora é portadora de PC (paralisia cerebral), havendo indicativos de que a deficiência motora manifestou, logo após o parto, porém, a mesma somente foi diagnosticada aos, quando, aos 11 (onze) meses de vida, realizou de exame de tomografia cerebral, no Hospital Odilon Behrens, conforme consignado no documento de fls. 282:
Aos 11 meses apresenta quadro febril, culminando com crise convulsiva no hospital, onde fica internada por 4 dias, Nesta ocasião, realiza-se tomografia cerebral que descreve imagem compatível com paralisia cerebral “euxvacm”, compatível com asfixia neonatal profunda..
É certo que a paralisia cerebral pode instalar-se em três momentos distintos, a saber:
1 – No período pré-natal (antes do nascimento)
2 – no período intraparto (durante o trabalho de parto).
3 – No período neonatal (depois do nascimento).
Os fatores de riscos – para os casos de paralisia cerebral instalada na fase pré-natal – são descritos no laudo pericial como: anormalidades da placenta, defeito congênitos, feto de baixo peso, hábitos maternos (alcoolismo, uso de drogas), infecções (vide fls. 280)
Respondendo ao quesito 27 elaborado pela autora, a perita nomeada pelo juízo respondeu às fls. 291:
Não há dados que indiquem problemas durante o pré-natal. (cartão de pré-natal não disponível). O recém-nascido apresentou peso adequado de nascimento. Durante o pré-natal, as consultas podem identificar hábitos não saudáveis, como tabaco, álcool, uso de drogas, que podem ser capazes de promover algum prejuízo ao feto em desenvolvimento. Exames laboratoriais podem identificar infecções, anemias, que também podem prejudicar o desenvolvimento fetal. O ultrassom pode detectar anomalias estruturais no organismo fetal, bem como avaliar o crescimento e o bem estar do feto.
Portanto, no caso narrado nos autos, não há indicativos de que a paralisia cerebral tenha manifestado na fase pré-natal, posto que no laudo pericial ficou consignado que a mãe da autora, à época do parto era uma jovem (15 anos), primigesta (primeira gestação), sem problemas de saúde, sem fatores de risco identificáveis no período pré-natal, realizou o pré-natal adequadamente. (vide laudo fls. 281).
Desta forma, não existe prova no sentido de que a paralisia cerebral tenha instalado na fase pré-natal.
É possível que a paralisia tenha sido instalada em fase posterior, portando caberia ao requerido o ônus da autora demonstrar que a paralisia cerebral não se instalou na fase intraparto (nos procedimentos realizados durante o trabalho de parto).
Observo que os critérios essenciais para atribuir a paralisia cerebral, intraparto (durante o trabalho de parto), são os seguintes (vide fls. 289):
- Acidose metabólica, através da medida de pH e BE de sangue de cordão logo após o nascimento, não disponível nos documentos apresentados.
- Apgar menor que 3 após o quinto minuto de vida: O Apgar da recém-nascida foi classificado em 5 (no primeiro minuto) e 9 (no quinto minuto).
- Manifestações neurológicas precoces: Este critério estava presente. A criança apresentou manifestações múltiplas nas primeiras horas de vida, como sucção débil, hipotonia, dificuldade respiratória, culminando com apneia e convulsão.
- Presença de paralisia espática nos membros, descrita hipertonia de e membros e curvatura torácica (fls. 184).
Respondendo ao quesito 17, elaborado pela autora, vide fls. 287, a perita do juízo informou:
Não há dados essenciais nos documentos apresentados que permitam chegar a esta conclusão, como a acidose metabólica em sangue de cordão (não realizada) e a escala de Apgar menor que 3 após 5 minutos de vida. Os únicos dados presentes são as manifestações neurológicas precoces, a tetraplegia espática e o comprometimento precoce de múltiplos órgãos.
Do mesmo laudo pericial, extrai-se a seguinte informação:
Nas primeiras 24 horas o RN começou a apresentar manifestações de comprometimento neurológico, como sucção débil, hipotonia, dificuldade respiratória, até apresentar apneia e convulsão, sendo então transferida para o CTI, onde permaneceu entubada e sedada. Observou-se hipertonia de membros e curvatura torácica. Suspeitas de infecção/malformação do Sistema Nervoso Central não se confirmaram. (Destaquei).
A testemunha arrolada pela requerida – EDILENE SUELI CAMPOLINA – foi ouvida na audiência realizada em 07 de novembro de 2015, quando às fls. 365, disse:
A depoente trabalha no hospital requerido desde o ano de 1999, que a depoente exerce a função de enfermeira obstetra; que a depoente não estava presente no bloco cirúrgico quando do nascimento da autora; que a depoente leu o prontuário relativo ao atendimento da autora e de sua mãe; que a ausculta do batimento fetal, de acordo com o protocolo do hospital requerido, é realizada de 30 em 30 minutos e, quando do nascimento da criança, a ausculta é realizada de 5 em 5 minutos; que, via de regra, as medições realizadas na fase pré-parto são anotadas na papeleta do prontuário, porém, quando do nascimento da criança, o monitoramento de 5 em 5 minutos normalmente não é anotado no prontuário de atendimento; que não foi anotado na papeleta as medições de batimento cardíaco realizado de 30 em 30 minutos, no horário entre 5 e 6 horas da manhã, porque foram realizadas no momento imediatamente ao parto; que a ausculta intermitente de 5 em 5 minutos é realizada em todos os partos; que não pode garantir que estas medições foram realizadas porque não se encontrava no bloco cirúrgico; que os enfermeiros obstetras estão capacitados para o atendimento da gestante quando dos partos de risco habitual; que nos casos de parto de risco habitual (são) conduzidos por enfermeiros obstetras, o médico obstetra é chamado no caso de alguma intercorrência; que o médico pediatra está presente em todos os partos realizados; (...) que pela análise do prontuário, pode afirmar que ocorreu intercorrência pela redução das contrações, o que foi corrigido pelo emprego do soro ocitocina; que segundo o protocolo interno do hospital, o enfermeiro obstetra é o responsável por ministrar o soro com ocitocina; que a redução das contrações não é uma intercorrência que determina a intervenção do médico obstetra; que não é considerado uma distócia; que o responsável em dar a nota de Apgar é o médico pediatra; que, pelo prontuário, o medico pediatra que deu a nota de Apgar foi o Dr. Aurélio. (sublinhei).
Melhor seria que o requerido arrolasse para prestar depoimento em audiência de instrução e julgamento uma pessoa que estivesse presente no momento do nascimento da autora.
Penso mesmo ser imprescindível que a requerida arrolasse médico pediatra que acompanhou o trabalho de parto e responsável por dar a nota de Apgar para a autora, posto que no primeiro minuto de vida, foi dada a nota Apgar 05 (cinco), e, nos primeiros 05 (cinco) minutos de vida foi dada a nota 09 (nove).
Todavia, pelo somatório dos sinais vitais (batimentos cardíacos, respiração, tônus muscular, resposta reflexa, cor), indicavam uma nota de Apgar deveria ser bem inferior, conforme se pode ler do documento de fls. 146 (vide tópico: BOLETIM DE APGAR).
Acrescento que o depoimento do médico pediatra que estava presente no momento do nascimento da autora mostrava-se ainda mais imprescindível, porque, no laudo pericial ficou consignação que não há registro da presença de médico pediatra na sala de parto (vide fls. 292).
Não há assinatura de pediatra na sala de parto, assistindo o nascimento (o parto foi no leito), nem de quem atribuiu o Apgar de primeiro e de quinto minuto (fls. 246).
Penso que, quando do nascimento da autora, não foram obedecidos os protocolos recomendados pelo hospital requerido (ausculta do batimento fetal, de trinta em trinta minutos e, quando do nascimento da criança, a ausculta de cinco em cinco minutos), posto que, respondendo ao quesito 26, vide fls. 291, a expert disse:
Os batimentos cardíacos do feto são um dos principais dados clínicos que nos indicam o bem estar fetal (isto é, boa oxigenação cerebral) durante o trabalho de parto, juntamente com o líquido meconial. Conforme partograma (fls. 156), foi realizada ausculta dos batimentos cardíacos do feto durante o trabalho de parto a cada hora, até as 05:00 horas, sempre dentro da normalidade. Descreve-se na folha de evolução parto no leito (fls. 148). Portanto, há um intervalo de pelo menos 1 hora sem este registro. A escala de Apgar (fls. 146), realizada no primeiro e quinto minuto de vida do recém-nascido não está assinada, mas atribui 2 pontos para a frequência cardíaca no recém-nascido, no primeiro minuto de vida, o que é normal. Não há registro, na folha de história clínica neonatal (fls. 146) de pediatra na sala de parto.
De outro norte, respondendo ao quesito 25, vide fls. 290/291, elaborado pela autora, acerca do estado de higidez da autora quando recebeu alta hospitalar, a perita do juízo reportando ao RELATÓRIO DE ALTA (documento elaborado pelo requerido), vide fls. 15/16, afirma:
25 – Pelos exames realizados na parte autora, quando da internação na UTI neonatal, é possível afirmar que a mesma foi liberada sem qualquer evidência de sequelas?
Não há evidências de algum tipo não especificado de anormalidade, já que o diagnóstico de alta foi (fls.16 e 164):
– TNT/AIG (recém-nascido a termo, adequado para a idade gestacional, que significa recém-nascido “de tempo” e com peso adequado).
– Sofrimento Fetal Agudo, que significa algum grau de asfixia intraparto.
– Crises convulsivas sob controle, (usando dose de manutenção de fenobarbital)
– Sepse Neonatal Precoce sem foco tratada, isto é possível infecção não especificada, que foi tratada.
Desta forma, concluo que o hospital requerido não adotou todos os procedimentos preconizados para que o nascimento da autora ocorresse sem qualquer intercorrência (registro da medição da frequência cardíaca fetal de trinta e trinta minutos e cinco em cinco minutos durante o trabalho de parto).
Não comprovou que, caso alguma intercorrência tenha ocorrido, que a requerida tenha adotados todos os procedimentos necessários para evitar que desta intercorrência resultasse maiores danos para a autora (presença de um médico obstetra, quando do trabalho de parto),
Assim como, não identificou e registrou o nome do médico pediatra que assistia a mãe da autora, no momento do parto (não há registro do nome do médico pediatra presente quando do nascimento da autora, nem o nome do responsável pela nota de Apgar dada a autora).
Finalmente, o requerido não demonstrou que se tratava de uma gravidez de alto risco (paralisia cerebral pré-natal) ou que a criança tenha recebido alta em perfeitas condições de saúde (paralisia cerebral pós-parto).
Portanto, as evidências maiores são no sentido de que possivelmente a paralisia cerebral instalou na fase intraparto.
O dano – De todos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, o dano é o que tem menos suscitado discussões, pois se tem como certo que para que ocorra o dever de ressarcir é preciso que haja algum dano a ser reparado.
In specie restou incontroverso que a requerente é portadora de a autora é portadora de PC (paralisia cerebral), havendo indicativos de que a deficiência motora manifestou, logo após o parto, porém, a mesma somente foi diagnosticada aos, quando, aos 11 (onze) meses de vida, realizou de exame de tomografia cerebral, no Hospital Odilon Behrens.
A Paralisia Cerebral (PC) consiste num grupo de distúrbio de movimento e postura, atribuídos a um dano não progressivo que acomete o cérebro do feto em desenvolvimento ou nos primeiros anos de vida, não sendo resultado de doença neurológica progressiva. Esses distúrbios são, frequentemente acompanhados por alterações dos órgãos dos sentidos, da cognição, comunicação,percepção e/ou comportamento e/ou convulsões (Task Force on Neonatal Encephalopathy and Cerebral Paisy, e American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) 2003) . Cerca de r0 a 65% das crianças com PC são nascidas de parto a termo. Os fatores de risco são múltiplos e interagem entre si. A incidência varia entre 1 a 2 casos/1000 nascidos vivos (vide laudo pericial ás fls. 279/280).
Portanto, é incontroverso que a autora é portadora de grave distúrbio mental.
A questão seguinte é observar a existência de nexo de causalidade entre os procedimentos realizados na fase intraparto, no Hospital Sofia Feldman e os danos suportados pela autora.
NEXO DE CAUSALIDADE – O nexo de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil e o primeiro a ser analisado para que se conclua pela responsabilidade jurídica, uma vez que somente poderemos decidir se o agente agiu ou não com culpa se através da sua conduta adveio um resultado.
Vale dizer, não basta a prática de um ato ilícito ou ainda a ocorrência de um evento danoso, mas que entre estes exista a necessária relação de causa e efeito, um liame em que o ato ilícito seja a causa do dano e que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado daquele.
É necessário, assim, que se torne absolutamente certo que, sem a ocorrência do ato ilícito imputado ao requerido, resultado danoso suportado pelo lesado não teria acontecido.
Todavia, há hipóteses em que o ato do agente não é a única causa do resultado, porém, o resultado danoso é consequência do concurso de várias causas, o que se denomina de concausas ou de causalidade múltipla.
Doutrina e jurisprudência entendem que as concausas preexistentes não eliminam a relação causal, como as existentes quando da conduta do agente.
Já as concausas concomitantes e supervenientes estabelecem uma cadeia de causas e efeitos e só terão relevância se romperem o nexo causal e se erigirem como causa direta e imediata de um novo dano.
Assim dispõe o Código Civil/2002:
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Entre as várias teorias que se destinam a explicar o fenômeno da multiplicidade de causas e a identificação, por conseguinte da causa sem a qual resultado não teria ocorrido temos as seguintes:
Teoria da Equivalência das Condições – Teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non, pensada para o direito penal, cujos reflexos influenciaram a doutrina dos civilistas, teve em Maximiliano von Buri seu formulador e propõe que “em havendo culpa, todas as ‘condições’ de um dano são ‘equivalentes’, isto é, todos os elementos que, ‘de uma certa maneira concorreram para sua realização, consideram-se como ‘causas’, sem a necessidade de se determinar, no encadeamento dos fatos que antecederam ao evento danoso, qual deles pode ser apontado como sendo o que de modo imediato provocou a efetivação do prejuízo.
Bem se pode perceber que tal teoria não faz distinção entre a causa mais ou menos relevante para produção do eventus damni, além de permitir a inserção de um grande número de causas geradoras do evento danoso.
Situação interessante é tratada no filme O JÚRI (filme norte-americano): um indivíduo, sofrendo de surto psicótico, irrompe armado um escritório e mata sistematicamente a todos que encontra. Na aludida trama, uma das viúvas ingressa contra a fabricante da arma de fogo, sob a premissa de que tal empresa não tinha qualquer controle ou critérios na venda e na distribuição de seus armamentos a terceiros, devendo então ser responsabilizada pela morte de seu esposo.
Tal caso parece bem adequar-se à aplicação da teoria da equivalência das condições na determinação do nexo causal.
A crítica que se faz a teoria da equivalência das condições é que ela não estabelece diferenciação entre o que seja condição (circunstância precedente relativamente independente) e a causa (evento que eclodiu o resultado danoso). Todas as condições se equivalem e são inseridas dentro do nexo de causalidade. Assim, levada a extremo, a teoria da equivalência das condições permitiria raciocínios absurdos, v.g. responsabilizar Alberto Santos Dumont pelos danos causados por uma queda de avião, posto que é evidente que a (causa) o acidente de aviação não teria ocorrido se não houvesse ocorrido a (condição) o avião ter sido inventado.
Para evitar esses inconvenientes, a leitura que se dá aos fatos, sob a ótica da teoria da equivalência das condições, deve sofrer uma interpretação temperada, objetivando distinguir dentre as diversas concausas que concorreram para eclosão do resultado lesivo, aquelas que são relevantes e aquelas que são menos relevantes para o desate lesivo, posto que uma causa superveniente relativamente independente, quando relevante, interrompe a cadeia causal, iniciando a partir de sua ocorrência dela um novo nexo de causalidade, exonerando a responsabilidade dos causados dos atos precedentes.
Teoria da Causalidade Adequada – Buscando superar os limites imposta pela teoria da equivalência das condições, a teoria da causalidade adequada sustenta que não basta a existência de um fato (condição) que resulte em dano para a vítima para responsabilizar o agente. É imprescindível que a conduta ilícita imputada ao agente seja a causa adequada para produzir o resultado lesivo.
Tal teoria formulada em 1871, por Ludwig von BAR e desenvolvida por Johannes von KRIES, por volta de 1888, aborda a causalidade em razão das possibilidades e probabilidades de certo resultado ocorrer levando em conta a causa do ponto de vista abstrato. Daí porque tal juízo de probabilidade ser denominado “prognose póstuma” ou “prognose retrospectiva”, pois, diferentemente da teoria da equivalência das condições, a causalidade adequada considera hipoteticamente se determinada causa seria ou não adequada a produzir o dano.
Sérgio CAVALIERI FILHO bem exemplifica a questão com clássico exemplo de Antunes VARELA:
É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se aprestava para tomar certo avião, e teve de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa verificar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o fato ilícito. A ideia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade entre o fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e experiência comum da vida. (In Programa de Responsabilidade Civil, 8ª Edição, Editora Atlas, São Paulo, pag. 48, 2009)
Tal teoria ganhou também uma formulação positiva e outra negativa. Para a positiva, determinado evento será causa do dano sempre que for considerada “consequência natural” ou “efeito provável” na cadeia dos fatos que desaguaram no resultado danoso. Já a vertente negativa, mais ampla, analisa os fatos por uma óptica inversa, ou seja, o fato tido por danoso não será causa na hipótese de se verificar ser “indiferente” na cadeia causal.
Assim, se determinado agente, nessa qualidade, agride cidadão desferindo-lhe um golpe que em princípio não teria maiores desdobramentos não fosse a condição de hemofílico da vítima, pela vertente positiva da teoria da causalidade não haveria responsabilização. Contudo, na acepção negativa seria admissível a existência do nexo de causalidade.
Entretanto, no clássico exemplo onde a vítima, recuperando-se de mera lesão corporal em leito hospitalar, vem a morrer não em decorrência da lesão, mas por incêndio ocorrido no estabelecimento hospitalar, mesmo na vertente negativa não se pode responsabilizar aquele que causou a lesão corporal pelo resultado morte, embora possamos todos reconhecer, do ponto de vista lógico, que se a vítima não tivesse sofrido a lesão corporal, ela não estaria hospitalizada e, via de consequência, não teria morrido em razão do incêndio.
As críticas à teoria da causalidade adequada se devem a sua complexidade em determinar qual a verdadeira causa adequada para produção do dano, especialmente porque tal teoria pressupõe um método de trabalho muito abstrato, partindo de juízos hipotéticos mesmo que o fato já tenha ocorrido.
A Teoria da Causalidade Adequada padece da dificuldade em determinar o que efetivamente é ou não causa adequada, além de depender demasiadamente do arbítrio do julgador para ser aplicada em concreto.
Esta teoria é frequentemente adotada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátria, a exemplo do que ocorre com a teoria dos danos diretos e imediatos.
Por vezes, doutrinadores e julgadores dizem adotar a teoria da causalidade adequada, mas em verdade não aplicam seu método abstrato para chegar ao estabelecimento do nexo causal e, mais das vezes, acabam buscando a causa necessária do dano o que leva a adoção implícita da teoria dos danos diretos e imediatos.
Teoria dos Danos Diretos e Imediatos – Segundo essa teoria, nem todo fator que desemboca no evento danoso será necessariamente causa do dano.
Desse modo, nem toda condição que influenciou o resultado danoso será causa necessária. Pouco importa a distância temporal entre o fato e o dano, pois o que rompe o nexo causal é o surgimento de outra causa não o tempo.
Há que se traçar um liame lógico-jurídico para verificar a causa necessária para o dano.
Nosso direito positivo consagra a teoria dos danos direito e imediatos, nos termos da redação do art. art. 403 do Código Civil/2002:
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. (sublinhei).
Para explicar a teoria dos danos diretos e imediatos surgiram subteorias, a saber:
I - Teoria de Tomaso MOSCA (teoria da causalidade jurídica), que assenta a distinção entre causa física e causa jurídica. Para o jurista, são causa os atos ilícitos, desconsiderando-se fatos naturais e lícitos da relação causal, pois apenas o surgimento de outro ato ilícito é que poderia excluir a responsabilidade do agente originário.
II – Teoria, de COVIELLO, estabelece que se deve verificar se a causa que gerou o novo dano o teria produzido, abstração feita do ato do devedor, autor do primeiro dano. Caso a resposta fosse positiva, romper-se-ia o nexo de causalidade.
Na prática, entretanto, os críticos observaram ser difícil chegar a conclusão tão exata, pois seria necessário medir a força do evento para saber se este, por si só, seria ou não capaz de produzir o dano.
Mas a subteoria que melhor a explicou foi a da i
III – necessariedade da causa (Dumoulin e Pothier). Por ela, o dever de indenizar apenas surge quando o dano for efeito necessário de uma causa. Assim, por direto e imediato, leia-se necessário. Como salienta DE PAGE, pouco importa se certo evento danoso é consequência direta ou indireta de determinada causa, o importante é que o aludido dano seja consequência necessária daquela.
Por bem distribuir a responsabilidade entre a vítima e seu devedor, possibilitando a exclusão do devedor originário ou ainda a inclusão de novo devedor, caso se detecte a existência de nova relação causal, além de permitir a aplicação das excludentes do nexo causal, é que essa teoria se mostra capaz de resolver inúmeros problemas em matéria de responsabilidade, especialmente nos eventos de causalidade múltipla, envolvendo vários sujeitos processuais.
Mesmo assim, apesar de ser muito utilizada pela jurisprudência pátria, essa teoria também sofre críticas, afinal o fenômeno da responsabilização não é estático, é dinâmico, envolvendo constante aprimoramento.
Destarte, para Fernando NORONHA, a causalidade necessária restringe por demais a obrigação de indenizar, exigindo que uma condição, além de necessária e suficiente para provocar o dano, seja também sua causa.
Tal dificuldade residiria especialmente em encontrar a condição necessária causadora do dano
Adentrando a jurisprudência acerca da adoção da teoria em comento, é imprescindível aludir à emblemática decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, acerca da adoção da Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, enfrentada no Recurso Extraordinário n° 130.764-1/PR. A decisão trata de evasão de prisioneiro de hospital – onde estava provisoriamente confinado – que, após vinte e um meses da fuga, participou de furto em famosa joalheria na cidade de Curitiba. Mesmo com decisão favorável à vítima no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o STF entendeu que reconhecer a responsabilidade no aludido caso seria elevar o Estado a condição de segurador universal (teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral), e que pela Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, adotada no Brasil, o lapso temporal entre a fuga e o evento danoso teriam rompido a cadeia causal, o que iniciaria um novo nexo de causalidade, o que ilidiria a responsabilidade do Estado.
Além de ser utilizada pelas Cortes Superiores, a teoria dos danos diretos e imediatos é constantemente adotada nos tribunais estaduais, ainda que camuflada como teoria da causalidade adequada (frequentemente invocada), para resolver os problemas ligados a determinação do nexo causal.
Narro a seguir, hipótese semelhante, na qual a vítima é agredida fisicamente, A vítima é socorrida a tempo e transportada até estabelecimento hospitalar. Todavia, durante o trajeto até o hospital, acontece grave acidente de trânsito envolvendo a ambulância utilizada para o transporte paciente, e, em consequências de graves lesões decorrentes do acidente de transito ocorrido durante o seu trajeto até o hospital, a vítima vem a falecer. Nesta hipótese o agente que agrediu fisicamente a vítima deve responder por lesões corporais, e não responde pelo resultado morte.
Isto porque o acidente de transito envolvendo a ambulância foi a causa direta e imediata do resultado morte da vítima.
Fiz essa rápida digressão acerca do nexo de causalidade, porque nenhuma conduta humana é isolada no tempo e no espaço, assim, toda conduta humana é motivada por fatos e atos que a precederam ao longo do desdobrar dos tempos.
Nesta linha de raciocino, Incumbe ao magistrado, na tarefa de julgar, realizar o trabalho de identificar os fatos acontecidos e atos praticados que efetivamente deram causa ao resultado lesivo suportado pela vítima.
A importância deste trabalho (identificar o correto nexo de causalidade dos fatos) impõe-se porque deve ser uma preocupação constante do julgador – diante da existência de concurso de causas (concausas) e da pluralidade de agentes – evitar o inconveniente de uma possível condenação injusta de pessoas que não têm responsabilidade sobre o desenrolar dos fatos e que resultaram no dano suportado pela vítima.
Neste sentido, este é o magistério de SÉRGIO CAVALIERI FILHO, recorrendo a escólios doutrinários de JOSÉ DE AGUIAR DIAS:
A jurisprudência contemporânea insiste cada vez mais no tocante ao vinculo de causalidade. Exige-se que a culpa tenha sido causa direta do prejuízo, sem o que a responsabilidade não ocorrerá a cargo do autor material do fato (...).
Para que a ação de responsabilidade possa ter cabimento em proveito da vítima é necessário que o dano se ligue diretamente à falta do réu, e que tal relação não seja interrompida. É o que expressa a máxima de F. BACON; in jure civili non remota causa sed proxima spectatur. Seria infindável para o direito procurar a causa das causas, e as origens de cada uma delas, desse modo, se limita à causa imediata e julgo os atos praticados, sem remontar mais além (...).
Assim, o condutor de um automóvel que feria uma pessoa não é responsável pela morte dela, se essa morte resulta da falta médica que lhe assiste. (obra citada, pág. 51).
In specie, respondendo ao quesito 11, elaborado pelo requerido, a perita do juízo afirmou (vide fls. 295):
11 – Os problemas apresentados pela criança hoje só podem ser originados de complicações no parto?
R. Não. Os dados obtidos indicam que uma somatória de fatores, entre eles a asfixia intraparto, pode ter contribuído para promover lesões cerebrais que culminaram em paralisia cerebral. Sublinhei.
Concluiu a expert, às fls.282:
EMBORA HAJA ALGUNS CRITÉRIOS QUE ASSOCIAM A PARALISIA CEREBRAL DA MENINA LARA À ASFIXIA INTRAPARTO, NÃO HÁ DADOS ESSENCIAIS PARA QUE SE POSSA ATRIBUIR INEQUIVOCADAMENTE A PARALÍSIA CEREBRAL QUE ACOMETE A CRIANÇA LARA À ASFIXIA INTRAPARTO.
A ausência de conclusão inequívoca do laudo pericial acerca do momento da instalação da Paralisia Cerebral, tal fato não tem maiores consequências porque há muitos anos o processo superou os tempos primórdios do procedimento inquisitorial (período de triste memória, época das caça às bruxas).
Assim, na fase atual do processo, o julgador não está obrigado decidir de forma inequívoca se a paralisia cerebral que acomete a autora foi instalada na fase pré-natal, na fase intraparto ou mesmo, se a paralisia cerebral instalou na fase pós-parto.
Vigora no Direito Processual Brasileiro o princípio da persuasão racional, segundo o qual, o magistrado firma seu convencimento a partir da análise do conjunto probatório carreado para os autos, não existindo uma prévia hierarquia entre os diversos meios de provas produzidas, portanto, não se pode atribuir a determinado meio de prova valor superior a outro.
Por este motivo, a prova pericial – em que pese restar inconclusa – não sobrepõe a outros elementos de convencimento que o magistrado pode extrair dos autos.
Destaco que, ao proferir uma sentença, o julgador realiza um trabalho eminentemente intelectual, ou seja, a sentença é o resultado de uma série de observações e raciocínios levados a efeito pelo juiz com o objetivo de solucionar o litígio, de modo que, ao desenvolver essa sequência de operações lógicas, o magistrado deve indicar os motivos de seu convencimento, que, apesar de livre, há de ser fundamentado.
Ocorre que às vezes, provar algum fato pode significar um ato complexo, e muitas vezes, dispor de somente um elemento de prova não é suficiente para afastar toda possível controvérsia que paira sobre o fato discutido no processo, sendo necessário às partes carrearem para os autos todo um acervo de provas harmoniosas entre si, habilitando o julgador a proferir sua decisão.
Tanto melhor será a decisão do juiz quanto maior o número de elementos cognitivos colocados à sua disposição e quanto maior seja a sua capacidade de associá-los e analisá-los.
Desta forma, para firmar seu convencimento, o magistrado compulsa os documentos, lê os depoimentos, analisa os laudos periciais, enfim examina tudo quanto se fez no curso do processo para, em seguida tirar, suas conclusões, externando as razões de seu convencimento.
Toda a sua inteligência será utilizada para separar o que for relevante do que for irrelevante e realizar a valoração no sentido da resolução do feito e, assim, permitir que as partes, o Tribunal ad quem, ou todos os interessados, através da leitura da sentença, possam reconstruir o itinerário mental desenvolvida pelo julgador, e verificar se a linha de raciocínio percorrida pelo julgador está correta.
Ao final, depois de analisar todo o conjunto de provas existentes nos autos, o julgador decide em favor daquela parte que apresenta uma versão dos fatos que melhor harmoniza com os diversos meios de convencimento existentes nos autos e exterioriza a vontade do Estado aplicável ao fato concreto.
No caso vertente, analisado o conjunto probatório carreado para os autos, concluo que a prova favorece a pretensão da autora, posto que o requerido não comprovou haver praticados todos os procedimentos necessários para elidir sua responsabilidade.
Aqui é aplicável o disposto no art. 373, do NCPC/2015 que assim estabelece:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito:
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Portanto, em razão de ser o requerido a parte que não desincumbiu a contento do ônus da prova, impõe-se a procedência do pedido inicial.
Dano moral – Com relação ao dano moral pleiteado na inicial, ressalto que, além de se encontrar esse dever indenizatório ínsito na legislação comum, conforme fundamentado, tornou-se o mesmo consagrado pela Constituição da República/88, uma vez que, em diversas oportunidades, a norma constitucional considerou a vida privada, a honra e a imagem das pessoas como direitos invioláveis, passíveis de serem indenizados por dano decorrente de sua transgressão, nos termos do artigo 5º, incisos V e X.
O dano moral é conceituado da seguinte maneira:
Danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcancem a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente, ataque à honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante.
Os danos morais atingem, pois, as esferas íntima e valorativa do lesado, enquanto os materiais constituem reflexos negativos no patrimônio alheio. Mas ambos são suscetíveis de gerar reparação, na órbita civil, dentro da teoria da responsabilidade civil. (Carlos Alberto Bittar, Danos Morais: Critérios para a sua Fixação, artigo publicado no Repertório IOB de Jurisprudência nº 15/93, pág. 293/291).
Todavia, para não fomentar a denominado “indústria do dano moral”, é imprescindível, para a caracterização do dano moral é indispensável, que o ato apontado como lesivo tenha a potencialidade ofensiva para, hipoteticamente, adentrar na esfera jurídica do homem médio e causar-lhe prejuízo extrapatrimonial.
De modo algum pode o julgador ter como referência, para averiguação da ocorrência de dano moral, a pessoa extremamente melindrosa que se desmancha em lagrimas em situações corriqueiras, entretanto, nem as pessoa de constituição psíquica extremamente tolerante ou insensível que permanece absolutamente inalterada em meio a um terremoto.
A indenização por dano moral não objetiva reparar a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima em razão do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.
Todavia, pode trazer-lhe uma compensação financeira, um plus patrimonial, de forma a proporcionar-lhe um conforto material para que possa suportar, com menos sofrimento e melhor qualidade de vida, o dissabor e o padecimento íntimo suportado.
Pelo que se vê, o dano moral é consequência direta de um comportamento reprovável que, ao se distanciar dos pressupostos de razoabilidade que norteiam as relações humanas, é capaz de causar ofensiva a honra objetiva, ou seja, a reputação, o bom conceito da pessoa desfruta dentro da comunidade onde vive, ou a honra subjetiva, diminuindo de forma injustificada e violenta, o juízo de valor que ela tem de si própria enquanto ser causando-lhe dor física, padecimento emocional, tormento mental e espiritual.
O dano moral, assim, é uma consequência direta de um comportamento reprovável que, ao se distanciar dos pressupostos de razoabilidade que norteiam as relações humanas, é capaz de manchar o conceito social da vítima perante a comunidade onde ela vive ou se encontra e ou de diminuir, de forma injustificada e violenta, o juízo de valor que ela tem de si própria enquanto ser físico, emocional, racional e espiritual.
Em síntese, o dano moral indenizável pressupõe a existência de uma agressão injusta vinda do exterior com a potencialidade ofensiva para objetivamente causar uma dor física, um tormento mental ou um padecimento íntimo ao psiquismo do homem médio do qual cuida o Direito.
In specie, são imensos o sofrimento, a dor e a perda de perspectivas para uma pessoa portadora de Paralisia Cerebral, distúrbio incapacitante de natureza gravíssima.
Restou caracterizada a ocorrência do ato ilícito (inobservância de procedimento acauteladores necessários para elidir a responsabilidade do requerido); o dano emergente (o autora é portadora de paralisia cerebral) e o nexo de causalidade, portanto é cabível a indenização por dano moral.
Quantum debeatur – No que pertine a fixação do valor da indenização por danos morais, o Juiz deve levar em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e o caráter pedagógico da condenação, no sentido de inibir eventuais e futuros atos danosos à integridade física e moral de outrem.
É certo que, no arbitramento do valor da indenização por dano moral, o Juiz deve levar em consideração as específicas circunstâncias do caso, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e o caráter pedagógico da condenação, no sentido de inibir eventuais e idênticos atos danosos à integridade física e moral de outrem.
Desse modo a condenação não deve ser tão ínfima que não sirva de repreensão para quem a recebe, nem tampouco demasiada que possa proporcionar o enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização, sob pena de desvirtuamento do instituto do dano moral.
A respeito do tema leciona Maria Helena Diniz:
Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento nem mesmo se irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação (Revista Jurídica Consulex, n. 3, de 31.03.97).
Oportuna, também, a lição de Humberto Theodoro Júnior, para quem:
... nunca poderá, o juiz, arbitrar a indenização do dano moral, tomando por base tão somente o patrimônio do devedor. Sendo, a dor moral, insuscetível de uma equivalência com qualquer padrão financeiro, há uma universal recomendação, nos ensinamentos dos doutos e nos arestos dos tribunais, no sentido de que 'o montante da indenização será fixado equitativamente pelo Tribunal' (Código Civil Português, art. 496, inc. 3). Por isso, lembra, R. Limongi França, a advertência segundo a qual 'muito importante é o juiz na matéria, pois a equilibrada fixação do quantum da indenização muito depende de sua ponderação e critério (Reparação do Dano Moral, RT 631/36)" - Dano Moral, Editora Oliveira Mendes, 1ª edição, 1998, São Paulo, p. 44).
A propósito, Caio Mário da Silva Pereira ensina que:
O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima. (in Responsabilidade Civil, 6ª ed., Forense, 1995, p.60).
No mesmo norte, o entendimento do em. Desembargador Aloísio Nogueira, em prestimoso artigo doutrinário sobre o tema:
...não deve a mesma ser de tal ordem que se convole em fator de enriquecimento, nem tão ínfima que possa aviltar a reparação, perdendo sua finalidade. Para tanto, tem-se entendido deva ser considerado no arbitramento de seu valor, aspectos como a maior ou menor lesão, a intensidade do dolo ou culpa do agente, assim como a condição socioeconômica do ofensor e do lesado para que não se perca em puro subjetivismo (Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, nº 02, 1996, p. 428).
Portanto, o quantum da condenação não deve ser fixado em valor ínfimo ou simbólico que não sirva de lição para quem a recebe, nem tampouco deve ser fixado em valor demasiadamente elevado para que não possa transformar-se em fonte de enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização.
O montante deve representar uma compensação financeira para o lesado, um plus patrimonial de forma a proporcionar conforto material para que possa suportar com menos sofrimento e melhor qualidade de vida o desgosto, a dor e a tristeza causada pelo dano moral que lhe foi infligido. O montante deve, ao mesmo tempo, representar uma vigorosa sanção que se aplica ao causador do dano, para que não reincida na prática ilícita.
Em suma, a reparação moral haverá de ser suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, pela tristeza ou pelo vexame sofrido e penalizar o causador do dano, levando em conta, ainda, a intensidade da culpa e a capacidade econômica dos ofensores (COAD, Boletim 31/94, pág. 490, nº. 66.291), de sorte a atender à dupla finalidade do instituto, qual seja, desestimular, de forma pedagógica, o ofensor (teoria do desestímulo), a condutas do mesmo gênero, o que não guarda qualquer conotação com punição criminal. Por outro prisma, deve propiciar à vítima a compensação pelos transtornos experimentados, sem que isso implique em fonte de lucro indevido.
Portanto, é importante ter em mente que:
1 – O valor da indenização deve ser fixado em quantia elevado o suficiente para não aviltar o padecimento íntimo suportado pelo lesado e ao mesmo tempo servir de vigoroso desestímulo para que o causador do dano não reincida na prática ilícita. Isto porque o arbitramento do valor da indenização em quantia excessivamente baixa ou meramente simbólica é ineficaz para tal fim
2 - O valor da indenização por danos morais não deve ser fixado em quantia demasiadamente elevada para que não se constitua em fonte de enriquecimento para o lesado, devendo servir, tão somente, como uma compensação financeira pela dor íntima suportada.
In casu a requerente é portadora de paralisia cerebral, transtorno incapacitante grave caracterizada por comprometimento motor (tetraplegia espástica) associado a grave comprometimento mental, da fala, percepção, comportamento e por convulsões. A sequela suportada pela autora é de natureza extremamente grave, por este motivo o valor da indenização não pode ser fixado em patamar inferior.
De outro norte, o Hospital Sofia Feldman é uma fundação de direito privado de natureza filantrópica (sem fins lucrativos), especializada no atendimento materno-infantil a pessoas de baixa renda. São notórias as dificuldades financeiras enfrentadas pelas entidades assistências, especialmente aquelas que atuam na área de atendimento à saúde de pessoas carentes, razão pela qual o valor da indenização não pode ser fixado em valor tão elevado que inviabilize a sobrevivência econômico-financeira do requerido.
Sopesadas as circunstâncias supramencionadas, entendo ser justo e razoável fixar o valor da indenização por danos morais em R$200.000,00 (duzentos mil reais).
DIANTE DO EXPOSTO, e tudo mais que dos autos consta JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para condenar o requerido na obrigação de fazer consistente em arcar com as despesas com atendimento hospitalar médico cirúrgico para a autora, (consultas médicas, fornecimento de medicamentos, despesas com procedimentos ambulatoriais, internações, cirurgias, assistência psicológica e fisioterápica). Condeno o requerido, ainda, na obrigação de pagar a autora indenização por danos morais no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais)
Condeno o requerido na obrigação de pagas custas processuais e os honorários advocatícios, que fixo em 20% sobre o valor da condenação.
P. R. I.